Por Magno Martins
Assim como no filme Em Busca do Ouro, Chaplin repetiu a dose de humor com diversas reflexões sociais em O Circo, seu terceiro filme pela United States, com um orçamento de U$900 mil, lançado em 1928. Como sempre, Chaplin buscou nessa produção uma linguagem cinematográfica de forma descontraída e simples. O talento de Chaplin como ator ressalta-se ainda mais nas expressões corporais e faciais do personagem Vagabundo que mesmo com as dificuldades impostas pela vida e pela sociedade em sua vida, mantém sua personalidade forte e única, fazendo com o que o público se identifique cada vez mais com suas histórias e confusões.
O Circo narra a história do Vagabundo que, como sempre, luta pela sua sobrevivência nos árduos dias. Ele então vai para o Circo praticamente falido da cidade, onde tenta buscar algo para comer. Porém, um ladrão de carteiras (Steve Murphy) está no mesmo local procurando uma vítima. Ao roubar uma carteira e para evitar ser pego pela polícia local, o ladrão coloca a carteira no bolso do Vagabundo sem que ele perceba. Quando a polícia vai embora, o ladrão tenta recuperar a carteira no bolso do Vagabundo e a partir daí que a confusão toda começa: sem entender direito o que estava acontecendo, o Vagabundo sai correndo tanto da polícia quanto do ladrão e acaba entrando no picadeiro do Circo, onde o público se diverte e aplaude de pé as confusões entre o Vagabundo, a Polícia e o Ladrão.
Após isso, o Vagabundo é contratado pelo dono do circo (Al Ernest Garcia) para ser uma das atrações principais do espetáculo. Porém, como o Circo estava praticamente falido, o dono tenta contrata-lo com um baixo orçamento. Ao perceber isso, o Vagabundo se impõe e consegue negociar melhor o seu trabalho. Porém, como em quase todos os filmes de Charlie Chaplin, há uma linda moça (Merna Kennedy) que balança o coração do Vagabundo. Nessa história ela é filha do dono do circo, sofre nas mãos do pai (o pai não permite que ela coma o suficiente para saciar sua fome) e está praticamente noiva de um galã do circo. O Vagabundo, claro, luta também pelo amor e atenção da garota, oferecendo comida longe dos olhos do proprietário do Circo.
A partir daí muitas histórias e confusões são tramadas no decorrer dos minutos de O Circo mostrando que Charlie Chaplin, além de ser um talentoso diretor é, de fato, um célebre ator. A forma com que ele domina o espaço entre cena e outra, através de suas estripulias e correrias, é mais do que perceptível a espontaneidade do personagem com tudo ao seu redor, levando para o público mais do que uma ficção realizada para o cinema: é o mais próximo da realidade de todos que assistem o filme. No decorrer do filme também muitas histórias se desenrolam, como um grupo de funcionários que se demitem ao perceberem que não receberão seus salários pelos trabalhos desempenhados, a dura realidade da pobre garota que passa por dificuldades nas mãos do pai ambicioso e como que o Vagabundo acaba se envolvendo com tudo isso, de forma mais espontânea possível, como se tudo aquilo fosse realmente obra do destino em sua vida.
O Circo também marcou e muito a carreira de Chaplin por suas cenas épicas. É um filme de comédia, mas os momentos dramáticos se transformaram em cenas que o cinema naquela época jamais tinha visto. O primeiro momento dramático certamente é quando o Vagabundo que, após engolir acidentalmente um comprimido para um dos cavalos do Circo, fica desesperado e acaba preso em uma jaula com um leão dormindo. Para piorar a situação, um cachorrinho começa a latir sem parar para o Vagabundo dentro de sua jaula, quase despertando o leão que dormia tranquilamente. Seu desespero desperta algumas poucas risadas, mas sobressai ainda mais a curiosidade de como que ele vai sair dessa emboscada.
O segundo momento dramático é a cena que ele acaba no picadeiro do Circo, andando em uma corda bamba com uma bicicleta e com diversos macaquinhos subindo pelo seu corpo, atrapalhando o seu equilíbrio naquele momento de tensão, já que aquele não era o seu número durante espetáculo. O público fica estarrecido e amedrontado com a possibilidade da queda do Vagabundo no meio daquela confusão toda. Talvez para alguns a ação dos macaquinhos extraia algumas risadas, mas é um momento tenso e todos se perguntam como que o personagem tão adorado pelo público resolverá aquilo.
A terceira e última cena é a mais dramática e certamente uma das mais emocionantes da carreira de Charlie Chaplin. Quando o Circo decide partir para outras cidades, o Vagabundo se encontra no meio do local onde era o picadeiro e todos partem sem ele. É um momento triste, reflexivo e compreensível de certa forma. A cena traz a sensação de que, mesmo com tudo o que o Vagabundo tenha passado em seus dias no Circo, aquele não seria o seu tão sonhado final feliz. O mundo o aguardava ainda para mais confusões e histórias para encher os olhares dos admiradores de Charlie Chaplin, que sempre buscavam em suas produções boas gargalhadas e boas reflexões sobre a vida.
O Circo é um dos grandes filmes de toda a carreira de Chaplin, que vai além de todo o reconhecimento do público e da crítica. Este foi o último filme totalmente mudo produzido pelo artista, que cada dia mais tentava se afastar do cinema falado, mas em um momento ficou impossível. Chaplin começa a introduzir trilhas sonoras em seus filmes, como Luzes da Cidade e Tempos Modernos. Como nem tudo são flores, Chaplin teve uma crise nervosa devido aos seus problemas pessoais e por conta do incêndio no estúdio, que queimou praticamente todos os cenários do filme. Além disso, Chaplin recebeu um Oscar Honorário reconhecendo seu trabalho como produtor, diretor, ator e roteirista no filme.
O Circo é mais uma grande produção que ressaltou ainda mais as habilidades artísticas de Charlie Chaplin no Cinema. Sua visão de vida aliada à sétima arte fez com que seus trabalhos mantivesse uma linearidade única e sem questionamentos. Não é, de fato um filme que se aprofunda em questões sociais como muitos outros, mas elas existem. Em meio a gargalhadas, o público consegue captar essas reflexões, de forma simples e descontraída.
Veja o trailer: