Por Sttela Vasco
Chaplin sempre tendeu a inserir um tom biográfico em seus filmes – O Garoto é uma prova disso – e, talvez por essa razão, algumas de suas obras provoquem maior comoção no público do que outras. Tal tom está fortemente presente em Luzes da Ribalta (Limelight), seu último filme norte-americano e o primeiro em que o grande ator/diretor interpreta uma cena de morte. O adorável e conhecido vagabundo, dá lugar ao desiludido ex- comediante Calvero e, a partir de então, somos agraciados por cenas que remetem ao mais famoso personagem de Chaplin, mas que também revelam o estado de espírito de seu criador, além de prestar uma bela homenagem aos comediantes “dos bons e velhos tempos”.
Apesar de gravado em 1952 e nos estúdios do próprio Chaplin, nos Estados Unidos, Luzes da Ribalta se passa em uma distante Londres de 1914 – ele reproduziu com perfeição a cidade em estúdio –, revelando o tom saudosista que a obra viria a assumir. Os cenários, os figurinos e até mesmo as personagens remetem à cidade que Charlie retinha em sua memória, e é possível sentir que ele tentou ao máximo resgatar tais recordações através do filme. Além dessa grande sensação de saudade – é como se Chaplin tentasse, através do longa, voltar no tempo e trazer os bons momentos de volta, tanto os em família, quanto os de sua carreira – Luzes da Ribalta tem também um traço autoanalítico: Calvero é um palhaço que já não entretém como antes e seus dias de glória estão cada vez mais distantes de sua realidade.
Essa, talvez, fosse a sensação que o própio Chaplin vivenciava. Ao mesmo tempo em que rodava o filme, sua relação com os Estados Unidos piorava cada vez mais. Acusado de pró-comunista, ele vinha sofrendo grande pressão política por parte do governo e, em setembro de 1952, perto do lançamento de Luzes da Ribalta em solo americano, Chaplin decide partir para a sua divulgação na Europa. Sua relação com os Estados Unidos atinge o ápice de sua crise e, enquanto divulgava o filme, Chaplin descobre que seu visto fora revogado. Decepcionado, ele decide ir morar com sua família em lugar afastado, na Suíça, vendendo os estúdios e acervos que haviam ficado no EUA.
No entanto, o tom político passa longe do filme. Luzes da Ribalta é, acima de tudo, uma história de amor. Amor pela arte, amor pelo público e o amor impossível entre um comediante arruinado e uma bailarina com medo de dançar em público e que, por isso, tem suas pernas paralisadas. Claire Bloom, que interpreta a bailarina Terry, é uma perfeita coadjuvante e abrilhanta ainda mais a produção com sua delicadeza. Ela e Chaplin comovem o espectador através de sua relação e da maneira com que um tenta apoiar e ajudar ao outro. O carinho entre ambos só não emociona mais do que os monólogos e lições de Calvero. Quando ele fala sobre a vida, sobre sonhos, sobre a arte ou sobre qualquer outro assunto que esteja em pauta, sentimos que é o próprio Chaplin falando. A experiência do gênio se choca com o seu grande medo, perder seu público, e, a partir disso, é gerada essa obra prima do cinema.
Tal medo se faz bastante presente durante a narrativa e a sensação de “esquecimento” por parte do público também – basta prestarmos atenção aos sonhos de Calvero, em especial o que ele volta ao palco para agradecer e está sem plateia – ou ao momento em que, após Terry ser escolhida como primeira bailarina, todos saem do teatro e apagam as luzes, se esquecendo do ex- comediante. É, ao mesmo tempo, a prova de que as coisas mudaram e a comparação de que, eventualmente, o antigo acaba esquecido para dar lugar ao novo que vem surgindo. Calvero está saindo de cena para dar lugar a essa jovem bailarina e, ao mesmo tempo em que se ressente por isso, está feliz pelo sucesso dela e torce por sua realização.
Como toda obra de Chaplin, Luzes da Ribalta se encerra com essa bela transição: enquanto um morre, o outro está no palco alçando-se ao sucesso. Essa sequência, no entanto, só não supera a sua anterior: uma ótima apresentação de Calvero ao lado um velho amigo pianista, interpretado pelo também gênio da comédia, Buster Keaton. Nessa sequência, toda a referência aos “velhos tempos” faz mais sentido ainda e o saudosismo ganha seu clímax. A cena em que Keaton e Chaplin estão no palco nos dá a impressão de que Carlitos voltou à tela e Luzes da Ribalta concedeu alguns minutos de seu tempo para ele, impossível não se emocionar. Durante o longa, aliás, Calvero tem uma curiosa fala em que diz: “é o vagabundo que há em mim”. Coincidência ou não, é difícil não relacioná-la a seu personagem mais famoso.
Pode-se dizer que Luzes da Ribalta é um dos filmes mais tocantes de Chaplin, talvez por sua forte carga dramática, talvez por sabermos a real mensagem que ele quis passar através do filme. Apesar da insistência de seu personagem em dizer que, aos poucos, estava sendo deixado de lado pelo público, nós sabemos que Charles Chaplin nunca estará verdadeiramente fora dos holofotes e sua memória, assim como seus maravilhosos trabalhos, estarão sempre vivos na mente e no coração do público.
Veja o trailer: