Por Verônica Petrelli
Que experiência incrível poder estar ao lado das peças de xadrez de Harry Potter e a Pedra Filosofal, pisar no Salão Principal e tomar uma cerveja amanteigada a bordo do Noitibus Andante… Visitar o pequeno distrito de Watford, na Inglaterra, onde tudo começou, se desenrolou e terminou, foi um privilégio inenarrável para uma fã como eu, ainda mais com a neve inglesa como pano de fundo, trazendo ainda mais mágica para esse momento especial. Apesar de ter sido reconstruído só para a visitação dos fãs e alguns sets serem um pouco pequenos e limitados, The Making of Harry Potter, nos Estúdios Leavesden, transmite toda a magia enrustida na produção cinematográfica.
Os Estúdios Leavesden foram o lar de Harry Potter por mais de dez anos. Antes de abrigar a saga potteriana, o local serviu para o desenvolvimento de várias atividades diferentes, desde uma fábrica de aviões Rolls-Royce até as filmagens da famosa série cinematográfica James Bond. Em 2000, a Warner Brothers manifestou interesse na locação dos estúdios e as adaptações das obras de J.K. Rowling começaram a tomar forma no lugar. Durante esses mais de dez anos de filmagens, 588 sets diferentes foram criados para dar vida à história, cada um com sua particularidade e seus objetos de cena, e foi construído o maior tanque aquecido para filmagens submersas de toda a Europa, com capacidade para dois milhões de litros de água (utilizado para Harry Potter e o Cálice de Fogo).
Em 2010, a Warner Brothers investiu mais de 100 milhões de libras para transformar os Estúdios Leavesden em sua propriedade privada, adquirindo o complexo para ser sua base de produção cinematográfica. Junto com essa reestruturação, The Making of Harry Potter foi criado e em março de 2012 aberto ao público.
Minha visita aos Estúdios Leavesden e aos bastidores da saga potteriana aconteceu no dia 12 de fevereiro deste ano (2013), e foi nesta data que muitos dos mistérios e encantos de Harry Potter se descortinaram para mim. Logo que entrei, pude notar as mãozinhas de Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint marcadas como em uma calçada da fama em um pedaço de gesso/argila especial. Senti-me próxima deles. O passo seguinte foi o saguão de entrada, forrado de quadros e pôsteres que mostravam fotos posadas dos atores.
O primeiro set que conheci depois de passar pelo saguão de entrada foi o Salão Principal, o único cenário que permaneceu intacto durante a filmagem dos oito longas, e o primeiro a ser construído. Trata-se de um espaço impressionante, com capacidade para abrigar 400 crianças sentadas, cheio de detalhes e objetos. Foi lá que encontrei a célebre ampulheta que marca os pontos das quatro casas de Hogwarts. Descobri que para a confecção desse objeto de cena, foram utilizadas milhares de miçangas indianas, e elas permanecem lá até hoje. Lá também pude conferir de perto os figurinos de personagens marcantes, como Alvo Dumbledore, Severo Snape e Minerva McGonagall.
Passando pelo Salão Principal, conheci os principais objetos de cena que marcaram o filme Harry Potter e o Cálice de Fogo: os castelos de gelo utilizados na decoração do Baile de Inverno, os trajes de gala que vestiram os quatro campeões e, é claro, o Cálice de Fogo. À época das filmagens do quarto longa, o designer de produção Stuart Craig imaginou o Cálice de Fogo como uma taça de metal pequena e ornamentada com cristais e pedras. Depois de uma longa discussão com os produtores e o diretor, ficou decidido que esse importante objeto de cena seria maior, feito de madeira e construído de maneira mais orgânica. O Cálice de Fogo desta imagem foi entalhado à mão e a matéria prima foi um olmo inglês, árvore nativa da Europa. Que emoção estar do lado desse artefato tão fantástico!
Outros objetos que realmente me emocionaram ao longo da saga foram as grandes peças do tabuleiro de xadrez (Harry Potter e a Pedra Filosofal) e a porta de entrada para o covil do basilisco (Harry Potter e a Câmara Secreta). Encontrar esses objetos ali, na minha frente, foi uma experiência única e inenarrável! Um sonho se tornando realidade! Para aqueles que não se lembram, a maioria das jogadas de xadrez comandadas por Rony Weasley no primeiro filme não precisou de efeitos especiais. As peças eram movidas por rádio, o que não foi uma operação fácil devido ao tamanho e peso dos objetos. Entretanto, o movimento combinado da câmera, junto aos artefatos andando mecânica e lentamente pelo tabuleiro, conferiu uma atmosfera de terror e suspense para a cena. A porta da Câmara Secreta também não precisou de efeitos especiais para ganhar vida. O seu complexo arranjo de fechaduras de cobras foi concebido pelo engenheiro Mark Bullimore, o mesmo profissional que criou os mecanismos das portas dos cofres de Harry e de Bellatrix no banco Gringotes. Talvez seja daí que venha a graça desses objetos tão especiais para mim: são completos e lindos em sua essência, sem a necessidade de nenhum efeito de computador para complementá-los!
Outro truque de filmagem muito interessante que encontrei lá nos Estúdios Leavesden foi a estratégia utilizada para o corredor de entrada dos quartos do Caldeirão Furado. Esse local foi planejado utilizando-se uma técnica visual denominada “perspectiva forçada”. Isso faz com que o corredor se pareça bem maior nos filmes do que ele realmente é. A “perspectiva forçada” é um método artístico bastante antigo que se aproveita da ilusão de ótica para fazer um objeto parecer maior, menor, mais perto ou mais longe do que ele de fato é/está.
Mas impressionantes mesmo são as artes conceituais e, também, os materiais gráficos criados pelos designers Miraphora Mina e o brasileiro Eduardo Lima. Quanta criatividade para conceber jornais, livros, caixinhas de produtos e cartas que são tão característicos do mundo bruxo! Há uma seção na exposição só com esses objetos fabulosos. Outro destaque do The Making of Harry Potter, sem dúvida nenhuma, é o setor da maquiagem. Imaginem o susto que levei quando me deparei com dezenas de cabecinhas de duendes, utilizadas em Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2, tão verossímeis e reais. É uma pena que o filme tenha perdido o Oscar de Melhor Maquiagem para o longa A Dama de Ferro em 2012.
Além dos personagens humanos, os animais-atores também tiveram um papel importante na saga cinematográfica e têm o seu espaço na exposição. Só para dar vida ao cachorro do Hagrid, o Canino, foram “contratados” quase dez cães que apareceram em momentos distintos dos filmes. No caso do Bichento e da Edwiges também não foi diferente. São cerca de quatro gatos e quatro corujas para cada personagem, respectivamente.
Curiosas também são as pinturas e quadros que enfeitam a sala de Dumbledore e o Castelo de Hogwarts. Por mais que no filme elas apareçam graças ao casamento do chroma key e dos efeitos de computador, no The Making of Harry Potter pude ter uma boa ideia de como elas ficavam depois do planejamento da equipe de efeitos especiais. Consegui até encontrar a pintura de David Heyman! O produtor fez questão de aparecer como um bruxo aristocrático em meio aos quadros fantasiosos de Hogwarts, e foi vestido a caráter antes de posar para o pintor. Vejam na imagem.
Outra figura interessante e que vale a pena ser mencionada é a estátua dourada do Arquiteto de Hogwarts. Desenhada por Stuart Craig e esculpida pelo artista Andrew Holder, essa peça de arte aparece no hall de entrada em Harry Potter e a Câmara Secreta e apesar de ser uma figura marcante, nunca foi descrita nos livros de J.K. Rowling. Essa foi uma sacada genial dos designers de produção; a peça foi criada especialmente para a adaptação cinematográfica.
O Beco Diagonal também é um espetáculo à parte. Por mais que o set seja meio limitado, diferente das experiências imersivas que tive com o The Wizarding World of Harry Potter (seção temática do parque Islands of Adventure, da Universal Studios), tive a incrível experiência de passar pelo banco Gringotes, de ver a famosa loja de varinhas de Olivaras e de vislumbrar os maravilhosos produtos da Gemialidades Weasley, loja dos gêmeos mais engraçados do mundo bruxo. Para aqueles que quiserem ter uma ideia desse setor fantástico do The Making of Harry Potter, o Google disponibilizou um mapa online para os fãs.
O setor dos lifecasts também é fenomenal! Trata-se de bonecos extremamente realistas que imitam a cor dos olhos, cabelos e expressões faciais dos personagens. Essa estratégia foi utilizada em diversos momentos durante as adaptações, como na petrificação de Hermione Granger e na morte de Fred Weasley e Alvo Dumbledore. O processo de lifecasting começa com o ator sendo coberto na cabeça e nos ombros por alginato odontológico, uma substância que em poucos minutos ganha a textura de borracha. É um método antigo, porém bastante eficaz, pois serve para gerar bonecos, modelar maquiagens protéticas, fazer máscaras para dublês ou propiciar uma referência para os animadores digitais, que podem escaneá-lo com um laser para gerar imagens em 3D. Até Rúbeo Hagrid ganhou sua versão em lifecast. A equipe de filmagem construiu uma enorme cabeça animatrônica, com olhos e lábios que se mexiam, baseada em um molde do ator Robbie Coltrane. A cabeça era utilizada por dublês durante algumas cenas de planos mais abertos.
O ponto alto do passeio pelos estúdios, sem dúvida nenhuma, foi a ala externa, onde pude conhecer impressionantes objetos e cenários da saga: a estátua do cemitério de Tom Riddle, o Nôitibus Andante, a ponte suspensa do castelo de Hogwarts, a casa dos Dursley na Rua dos Alfeneiros e o casebre destruído dos Potter em Godric’s Hollow. Tudo junto em um só lugar! Um sonho para qualquer fã! Provavelmente um dos mais complicados objetos já concebidos foi o Nôitibus Andante. Ele não foi fruto de efeitos de computação gráfica; para a sua construção, dois típicos ônibus de dois andares londrinos foram grudados para virar um só Nôitibus, e depois tudo foi pintado de roxo. Dirigir esse veículo nas ruas de Londres foi uma tarefa complicada que exigiu muito planejamento: rotas com pontes baixas foram vetadas e os carros figurantes tiveram que se movimentar em velocidades extremamente baixas, para dar a impressão de que o ônibus púrpura estava sendo conduzido a uma velocidade altíssima.
Apesar da riqueza de detalhes e da fidelidade, os cenários e sets deixaram um pouco a desejar para quem estava com uma expectativa tão alta como eu. O problema é que eles foram reconstruídos só para a exposição, e muitos deles são pequenos e limitados. Somente o Salão Principal foi mantido intacto. Sabemos que inúmeros truques de filmagem são utilizados para dar a impressão de grandeza e magnitude, e isso faz parte da mágica do cinema, mas sets como o do Ministério da Magia foram apresentados bem superficialmente. O cenário do ministério foi o maior já construído para a saga: 50 ônibus londrinos caberiam dentro do átrio da sede do governo bruxo. Foram necessárias 22 semanas para construir o local, que foi inspirado na arquitetura vitoriana de Londres e nas linhas de metrô mais antigas da cidade. Eu pensei que fosse conhecer esse set em sua completude, mas infelizmente não foi o que aconteceu. Mas o curioso é notar que os azulejos utilizados nas paredes e colunas do ministério foram feitos de MDF, um belo truque visual.
Apesar de pequeninos, outros cenários também merecem destaque, como o gabinete do diretor Alvo Dumbledore, o Salão Comunal da Grifinória, a cozinha da Toca, a sala de Dolores Umbridge no Ministério da Magia e o local onde são ministradas as aulas de Poções em Harry Potter e o Enigma do Príncipe (esse último set é incrível e rico em detalhes).
A exposição foi chegando ao término com um gran finale: maravilhosos modelinhos dos sets que posteriormente seriam concebidos, chamados de white-card models, estavam expostos em fila única ocupando uma sala inteira. Antes de construir os cenários reais, o departamento de arte criou os white-card models para ajudar o diretor e o designer de produção a terem dimensão de tamanho e escala e determinarem os ângulos de câmera. Para planejar as filmagens e takes, os realizadores inseriram nos modelinhos um pequeno dispositivo chamado lipstick camera (“câmera batom” em tradução livre). Vejam que lindos o Castelo de Hogwarts, o Chalé das Conchas e o vilarejo de Hogsmeade.
Por último, a tão aguardada maquete do Castelo de Hogwarts! Tão linda e imponente, com suas torres e torrinhas e janelas iluminadas. É impossível não ficar deslumbrado com essa obra de arte, ainda mais da forma como ela é colocada na exposição, à meia luz e embaixo de uma grande rampa, para que os visitantes possam curtir todos os detalhes e ângulos de cima. Para a construção dessa estrutura, percebeu-se que seria necessário o envolvimento de 86 artistas e operários. A maquete foi utilizada para takes panorâmicos e, também, como referência para filmagens reais. Essa é, sem dúvida, a seção onde os visitantes passam mais tempo, quer seja admirando o castelo ou tirando inesquecíveis fotos.
Estar nos Estúdios Leavesden foi uma experiência sublime. Poder conhecer os bastidores de uma das sagas mais expressivas de toda a história cinematográfica não tem preço. Quando se é fã, então, essa empolgação é redobrada, triplicada, quadruplicada! Ficam as lembranças, as fotos, as filmagens. Ficam na memória e no coração as vivências de um dia tão especial e inesquecível.
Uma das memórias mais marcantes e engraçadas que tenho desse dia é a guerra de bola de neve que minha irmã, meus primos e eu fizemos logo que chegamos ao estacionamento dos Estúdios Leavesden. Vejam o vídeo e deem um pouquinho de risada!