Por Magno Martins
Após sete anos do lançamento do filme O Grande Ditador, Chaplin retorna ao cinema com uma produção que dividiu, de forma incrível, seu trabalho diante de sua carreira. Monsieur Verdoux é o filme em que Chaplin deixa de vez toda sua veia cômica para encarar um personagem frio em uma história voltada para o suspense. Um grande desafio em sua trajetória, conduzido por Chaplin com maestria e genialidade.
Os contextos históricos em suas produções são perceptíveis em suas obras anteriores, mas para esta Chaplin se inspirou em fatos reais, baseando o seu roteiro na história do serial killer Henri Désiré Landru, sentenciado à morte em 21 de novembro de 1921 e executado na guilhotina em 25 de fevereiro de 1922, considerado como o Barba Azul. O filme conta a história de Monsieur Verdoux, mais uma vítima da crise financeira que assolou o mundo em 1930; após 35 anos de trabalho em um banco, o francês é despedido. Para sobreviver e cuidar de sua esposa paraplégica e de seu filho, Monseiur Verdoux inicia uma série de golpes em mulheres mais velhas, onde ele matava as vítimas para herdar seus bens materiais e contas milionárias. Para isso, Verdoux aplicava seus golpes em diferentes locais, com o intuito de não deixar suspeitas ou rastros de seus planos contra essas mulheres.
Nesse meio tempo, Verdoux se divide com : visita todas as suas mulheres e ainda arruma tempo para dar atenção devida a sua família. Com o tempo, ele vai se mostrando um pouco desatento com relação as vítimas, chegando a não se lembrar de algumas que seriam ponto-chave de sua história, ou seja, Verdoux mostra que viver inúmeras identidades é mais difícil do que parece, fato que Chaplin deixou claro ao atuar um personagem tão diferente de toda sua carreira.
Um dos pontos mais intrigantes e incrivelmente lindo de Monsieur Verdoux é quando o vilão encontra-se com uma vítima em uma noite fria e chuvosa. Ao tentar envenená-la com um composto químico como teste em um de seus golpes, a doce e delicada mulher se mostra vulnerável diante de todos os problemas que enfrentou em sua curta vida: havia sido presa por vender uma máquina de escrever alugada e seu marido morrera nesse meio tempo, já que não tinha mais os cuidados de sua esposa após ter ficado inválido na I Guerra Mundial. Essa história comove e muito Verdoux, que se lembra de sua doce esposa paraplégica e tudo o que ele estava fazendo para manter sua família bem, longe de problemas financeiros. E esta mulher aparece diversas vezes em pontos cruciais na vida de Verdoux, mesmo que ele evite a reconhecer, ele sabe perfeitamente de sua importância nesta história fria e sombria.
Mesmo que seja uma trama totalmente diferente de suas produções anteriores, Chaplin ainda cria diversos diálogos que mostram seu repúdio ao capitalismo, a guerra e ao militarismo. Ele compara seu personagem como um santo perto dos demais mentores das guerras que o mundo sofrera na época de Monsieur Verdoux. Suas reflexões sobre a vida e o mundo diante de sua sentença mostra que o Verdoux queria apenas sobreviver diante do caos que o mundo lhe dava. Certamente suas atitudes ao assassinar essas mulheres não condizem com seus pensamentos, mas seus depoimentos levam a uma reflexão da época, podendo ser levados em consideração até hoje.
Mas, como sempre, o filme recebeu algumas críticas não muito benevolentes. Antes do lançamento, Chaplin precisou alterar duas cenas: da mulher na rua em pleno frio, foi preciso mudar o contexto, para que não parecesse que esta fosse uma garota de programa. Já a outra cena alterada foi quando uma de suas esposas o manda ir para cama, ao invés de chamá-lo para cama, para não ter uma conotação sexual considerada inapropriada na época. Mesmo com essas alterações no contexto, Monsieur Verdoux foi proibido em diversas cidades por ter sido considerado imoral, chegando a levar cristãos a protestar contra o filme nas salas de cinema, impedindo, assim, que ele fosse distribuído em outras praças.
Além desses obstáculos, Chaplin enfrentou o descaso de seus fãs diante do personagem criado. Muitos sentiram falta do Vagabundo, mesmo que ele tenha inserido alguns takes que remetem e muito bem os trejeitos do amado personagem do cinema. Com isso, Monsieur Verdoux tornou-se a primeira produção do cineasta que rendeu pouco lucro em sua carreira, fazendo com que o tirasse de circulação dois anos após seu lançamento. Isso não impediu que ele recebesse a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro. E uma curiosidade bem interessante: no início do filme, Chaplin deixa claro que o roteiro foi construído a partir de uma ideia de Orson Welles.
Confira o trailer: