Por Luciana Ramos
Com o sucesso de A Morte Passou Perto, Stanley Kubrick recebeu aos seus 28 anos uma grande oportunidade. A United Artist havia decidido bancar o seu primeiro longa-metragem, com duas condições: o filme deveria ter uma estrela no elenco, posto ocupado por Sterling Hayden, e o roteiro precisaria ser pré-aprovado. Foi então escolhido e adaptado o romance policial “Clean Break”, de Lionel White. Na verdade, foi a primeira de muitas vezes em que Kubrick buscou nos livros a sua história, como aconteceu em Lolita, Laranja Mecânica e O Iluminado.
A trama é aparentemente simples: homens de moralidade duvidosa reuném-se para roubar 2 milhões de dólares durante o grande prêmio do Jockey, liderados por Johnny Clay (Sterling Hayden). No entanto, como em outros heist movies (filmes sobre roubos), as coisas não acabam bem. Como uma boa femme fatale, Sherry Peatty (Marie Windsor), a fria e ambiciosa mulher do caixa do Jockey George, intervém no plano e sela tragicamente o destino de todos os personagens (inclusive o seu).
Trata-se, essencialmente, de um filme noir. O jogo de sombras da iluminação fria e contrastada, a narração em off, os personagens que se unem por interesses, a femme fatale que arruína a vida dos outros; está tudo lá. Porém, o grande trunfo de “O Grande Golpe” está no desenrolar dos acontecimentos, que não são mostrados de maneira linear. Kubrick rejeita a montagem paralela, usada de maneira tão abundante no cinema clássico hollywoodiano, para adotar a digressão narrativa como ferramenta. Acompanhamos os diferentes pontos de vistas dos personagens, um de cada vez, como um grande quebra-cabeça em que as peças vão se encaixando para enfim explicar o fatídico final. Isso não só contribui para entendermos a motivação e participação individual de cada um no assalto como nos torna cúmplices, já que somos nós, no fim das contas, que sabemos exatamente o que aconteceu naquele dia.
Devido a isso, Kubrick chegou a ser comparado pela imprensa a Orson Welles. No entanto, ainda que este recurso tenha sido introduzido por Welles mais de uma década antes em Cidadão Kane, não era comum em 1956 e ele foi persuadido pelo estúdio a remontar o filme em ordem linear. Ele o fez, voltou atrás e o filme foi lançado no seu formato original.
Apesar da pouca idade, Kubrick expõe o seu amadurecimento profissional neste trabalho. Um exemplo é a sequência do assalto. As cenas internas, que mostram os papéis desempenhados por cada um dos envolvidos neste dia, foram filmadas em estúdio e mescladas com as cenas da corrida de cavalos, feitas no Hipódromo de São Francisco. A continuidade e a edição são tão bem feitas que essa mudança de ambiente torna-se imperceptível. Somado a isso, está uma câmera ágil que segue os movimentos dos personagens e a inserção da trilha sonora nos momentos certos. Todos esses fatores contribuem para a manutenção do clima de suspense.
O Grande Golpe não possui o requinte de trabalhos posteriores do diretor, como 2001-Uma Odisséia no Espaço ou Laranja Mecânica, mas trata-se de um filme muito bem construído. A inventividade narrativa, o ritmo rápido, a câmera eficiente e precisa e os diálogos bem trabalhados o tornaram atemporal, capaz de influenciar diretores contemporâneos. As similaridades narrativas mostram que Tarantino, por exemplo, o deve ter assistido antes de rodar o seu clássico cult Cães de Aluguel. Mais importante, no entanto, é a sua relevância na carreira do próprio artista, como trabalho estético embrionário de um dos mais influentes diretores de cinema.
Veja o trailer: