Os Boas Vidas aparece junto com Abismo de um Sonho como os primeiros filmes de destaque da carreira de Federico Fellini como diretor de cinema.
O filme estreou em 1953, pegando ali as rebarbas de uma Itália recém-saída da guerra, se recuperando econômica e socialmente.
Numa entrevista a um jornalista espanhol no ano de 1977, Fellini conta que seu principal incentivo para fazer filmes era um contrato. E é isto que acontece com Os Boas Vidas. Na verdade, Fellini queria emplacar o roteiro de A Estrada da Vida, mas o estúdio achou que era muito triste e pediu que ele filmasse uma comédia e assim foi.
Os Boas Vidas conta a história de Fausto, Moraldo, Riccardo, Alberto e Leopoldo, cinco amigos que têm por volta de seus 30 anos – assim como Federico tinha, na época – e que vivem em uma cidade de interior, completamente desinteressados pelas responsabilidades da vida adulta, que basicamente consistia em trabalhar, casar, ter filhos e constituir uma família.
Tudo estava indo perfeitamente bem, até que Fausto é forçado a se casar porque acaba engravidando a irmã de Moraldo. E aí os amigos se veem forçados a encarar a vida adulta como deveria ser. Ou pelo menos a olhar para as possibilidades sem fugir delas.
É um filme classificado como comédia, mas é uma comédia diferente dos trabalhos mais recentes de Federico Fellini. É quase como se, com estes dois primeiros filmes, estivéssemos diante de um apontamento do que viria a ser o universo felliniano, com seus personagens, suas texturas, sua realidade deslocada embalada pela trilha de Nino Rota.
A carga melodramática presente na obra é altíssima, dando um tom geral quase novelesco ao enredo, mas sem deixar de ser teatral. Isso pode ser percebido pela adição da voz do narrador que permanece presente até o fim da trama, participando e fazendo comentários espirituosos em momentos interessantes.
E também pela importância que Fellini dá a figuras como o menino que trabalha na estação de trem, ao louco chamado “Giudizio” (juízo, numa tradução literal) e também a momentos peculiares como a cena em que os amigos apenas observam o mar.
“De tarde, íamos à praia, desaparecendo entre a névoa da Rimini invernal. As lojas e pensões fechavam. Era o silêncio, o murmúrio do mar. (…) Talvez por isso o mar é tão fascinante para mim, como algo nunca conquistado, zona de onde provêm monstros e fantasmas. Para encher esse vazio, me dedicava à arte “. – Fellini por Fellini, 1974, LP&M.
Estamos diante de uma semente muito potente que vai se tornar, anos mais tarde, um estilo único no cinema mundial. O filme que começa com um concurso de miss da cidade, termina com uma imagem muito bonita de uma despedida e um moleque caminhando sobre os trilhos da estrada de ferro.
“Mas o que você vai fazer agora, Moraldo?”, ele pergunta. E o jovem-adulto Moraldo responde, indo embora: “Eu não sei”.
Talvez Os Boas Vidas não seja um dos exemplos mais marcantes da obra de Fellini, mas sem dúvida é um dos primeiros que afirmam sua presença no mercado cinematográfico, e isso é bastante importante para entender a trajetória dele, suas escolhas e suas preferências.
O longa faz parte do catálogo do streaming do Telecine e estará presente na Mostra Fellini, que acontece no domingo, 28, com exclusividade para os assinantes dos canais Telecine.Começando a partir das 11h no Telecine Cult, a programação conta ainda com A Voz da Lua, Abismo de um Sonho, Noites de Cabíria, A Doce Vida, 8 ½ e Julieta dos Espíritos.
Lembrando que a plataforma do Telecine oferece os 30 primeiros dias de acesso gratuitamente.
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