Teve início nessa sexta-feira o 8° Seminário do Cinema Brasileiro: Fatos e Memória, espaço único e consolidado que a CineOP abre anualmente para a discussão sobre a história e preservação do cinema brasileiro, além das aplicações do cinema na educação, que reúne centenas de profissionais de todo o país e convidados internacionais.
A palestra inaugural contou com a presença de Ray Edmondson, na mesa “Balanço de um Campo: A Arquivística Audiovisual”, onde lançou a edição brasileira de “Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles”, uma iniciativa da CineOP e da ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual. Segundo Carlos Roberto de Souza, vice-presidente da ABPA e responsável pela tradução da edição brasileira, “apesar de nossa edição vir a público 15 anos depois do paper original, o livro é de extrema atualidade e importância. O conhecimento que ele tem de aspectos da história do cinema se aplicam perfeitamente ao que vivemos aqui”.
A palestra de Ray Edmondson versou sobre diversas questões relacionadas à preservação audiovisual, da política de acervos ao intercâmbio internacional, tocando em questões que há muito vem sendo discutidas nos encontros anuais da CineOP, encontrando eco junto ao público presente. “Não faz sentido preservação sem acesso. A preservação é fundamental para dar acesso, é o acesso que justifica a existência de uma obra e justifica os gastos públicos para preservá-la”, afirmou.
O pesquisador tratou também da preservação nessa época de novas tecnologias, “Nenhuma obra pode ser entendida separada do contexto no qual foi criada. Na minha opinião, ouvir o que foi gravado numa determinada tecnologia faz toda a diferença e a experiência tátil e estética é muito diferente. Ouvir programas dos anos 30 em iPad e TV digital é muito diferente. Cria uma falsa impressão da experiência original”, explicou Edmondson.
Outra mesa muito aguardada no primeiro dia foi “Memória e Consciência”, com os cineastas Francisco Ramalho Jr, Maurice Capovilla, Nelson Pereira dos Santos e o homenageado desta 8aCineOP, Walter Lima Jr., acompanhados da pesquisadora Leonor Souza Pinto, que discutiram as condições de realização do cinema brasileiro durante a Ditadura Militar.
Leonor abriu o debate apresentando um contexto histórico das ações da censura na produção cinematográfica brasileira do período, tema que acabou pautando os demais depoimentos. “O que salvou o cinema brasileiro é que a censura, os cortes, aconteciam nas cópias de distribuição, e não no negativo. Com isso, salvaram-se os negativos originais, o que permitiu a remontagem dos filmes originais. Mas sempre há exceções, como no caso de El Justicero, de Nelson Pereira dos Santos, que será exibido na programação da CineOP, cujos negativos foram confiscado. O filme só existe hoje graças a uma cópia 16mm que estava em uma cinemateca italiana”, revela Leonor.
Os diretores presentes na mesa relataram diversas histórias pessoais da relação com a censura na época e de como se davam as negociações sobre cada filme. Nelson Pereira divertiu o público presente trazendo curiosidades sobre os pareceres da censura para alguns de seus filmes. “Entre os argumentos para censurar Rio 40 Graus, a censura dizia que tal temperatura nunca havia sido registrada no Rio. Já em relação a El Justicero, afirmava que o filme abordava críticas sociais que claramente não se aplicavam ao governo atual, segundo eles”.
Nelson Pereira aproveitou para expandir a questão para além do período inicial da Ditadura Militar: “A questão da censura não tem data, ela existe desde que o Brasil nasceu como nação e continua até hoje, de maneira mais sutil”. Essa afirmação ecoou nas falas dos demais cineastas. Segundo Francisco Ramalho Jr, “há hoje uma retração do movimento libertário. Se fizermos um filme com conteúdo muito erótico, ele não será exibido, não terá espaço. E há a censura econômica. Dependendo da temática de seu filme, você não conseguirá patrocínio para realizá-lo”. O homenageado Walter Lima Jr seguiu na mesma linha. “Hoje, órgãos públicos de cinema tem ideias e exigências tão arbitrárias sobre o que deve ser o cinema brasileiro quanto a ditadura. Um pitching é um verdadeiro pelotão de fuzilamento, que censura ideias como se censuravam filmes na década de 60”, acusou o diretor.