A coprodução portuguesa, americana e brasileira Diamantino conta a história de Diamantino Matamouros, um excepcional jogador de futebol que é massacrado pela mídia após perder um pênalti na final de uma Copa do Mundo. Seu pai morre no mesmo instante em que ele falha e suas duas irmãs gêmeas malvadas se tornam suas agentes e resolvem vendê-lo para um projeto secreto do governo português, que quer cloná-lo para multiplicar seu talento como jogador e sua ingenuidade como ser humano, tornando Portugal Grande De Novo.
Além disso, uma dupla de policiais lésbicas do Serviço Secreto investiga de perto os passos de Diamantino por suspeita de lavagem de dinheiro, e uma delas resolve se disfarçar de um refugiado para ser adotado por Diamantino e poder investigar ainda mais de perto o que se passa com o jogador.
Cena do ator Carloto Cotta como o jogador Diamantino no filme. Foto: IMDB
É inevitável que a premissa e os primeiros minutos de Diamantino causem um certo estranhamento no espectador: os efeitos visuais são constrangedores, a história é insana, os personagens são caricatos e a narração em off do protagonista é redundante ao máximo. Mas acreditem, o longa-metragem é propositalmente desconcertante para abordar de forma escrachada temas sérios como a ascensão do ultranacionalismo e o neofascismo. O longa-metragem venceu a Semana da Crítica no Festival de Cannes 2018 e foi exibido na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio 2018. O português Gabriel Abrantes, um dos diretores e roteiristas da produção ao lado do americano Daniel Schmidt, falou por telefone com o Cinemascope sobre alguns aspectos de Diamantino. Confira:
Cinemascope: De onde surgiu a ideia de criar uma história tão excêntrica como a de Diamantino?
Gabriel Abrantes: Nós tínhamos a intenção de fazer uma comédia diferente, excêntrica, que pudesse atingir a diversos tipos de público. Se você reparar, o filme tem ideias de vários gêneros cinematográficos: há comédia romântica, drama, espionagem… E também queríamos tentar chocar um pouco o espectador. Acreditamos que a comédia pode ter esse potencial transformador, de contestação, às vezes até mesmo de forma mais contundente do que um drama.
Cinemascope: O longa-metragem tem piadas sobre peitos, irmãs gêmeas malvadas, o protagonista tem um nível de inteligência claramente limitado… Em algum momento, durante a produção do roteiro, vocês pensaram se estariam indo longe demais?
Gabriel Abrantes: Eu e o Daniel funcionávamos como um mini-governo, em que ele era o sistema legislativo e eu era o executivo. Conversávamos, nos censurávamos e avaliávamos sobre onde queríamos chegar. Foi um trabalho de muita parceria e confiança um no outro. Nós dois temos gostos extravagantes.
Cinemascope: Aqui no Brasil, é comum vermos jogadores profissionais de futebol com pouca instrução, quase sempre por terem se dedicado ao esporte desde pequeno e não terem tido nem tempo de estudar. Por que escolheram um jogador de futebol para ser o protagonista do filme?
Gabriel Abrantes: Fizemos essa escolha primeiramente porque o esporte fala muito sobre nacionalismo, sobre a exaltação do seu país. Veja a Copa do Mundo, por exemplo, que é quase uma guerra mundial do futebol, no bom sentido. Além disso, precisávamos de uma figura com que o espectador português se identificasse. O protagonista poderia ser um músico, um artista, mas atualmente não há como pensar em Portugal e não lembrar de Cristiano Ronaldo, por isso foi a escolha mais lógica.
Cinemascope: O Brasil elegeu recentemente o presidente Jair Bolsonaro, considerado um político de extrema-direita, que tem algumas ideologias semelhantes as de alguns personagens em Diamantino. Como você acha que os brasileiros podem receber esse filme?
Gabriel Abrantes: Estamos rodando o mundo com esse filme, já o exibimos em diversos festivais, inclusive em outros locais que também tem líderes políticos ligados à extrema-direita. Acredito que muitas pessoas que votam em políticos como o Bolsonaro não são xenófobas, homofóbicas ou racistas, mas fazem isso como um voto de protesto econômico. Acho que filmes como esse são importantes para fazer barulho contra essas ideologias perigosas. Precisamos ter um ativismo mais prático e lutar com as armas da cultura e da arte.