Por Joyce Pais

Céline Sciamma dirigiu apenas dois longas, Lírios D´Água (2007) e Tomboy (2011), e ambos transitam pelo universo infanto-juvenil. Com Garotas (Girlhood), a diretora reafirma seu interesse na temática e sua qualidade como uma grande diretora de atores, sendo seu elenco um dos maiores acertos de sua curta, mas expressiva, filmografia.

A cena que introduz o filme é emblemática. Garotas jogam futebol americano, esporte conhecido por sua combatividade, e um ponto fundamental logo é colocado: o que veremos a seguir estará intimamente relacionado a atuações em grupo, ao espírito de equipe e experiências compartilhadas.

Poucos minutos são necessários para conhecermos a realidade de Marieme (Karidja Touré). A jovem vive em um pequeno apartamento no subúrbio francês com sua mãe ausente, que trabalha como faxineira em um hotel de luxo em Paris, seu irmão mais velho violento, e sua irmã um pouco mais nova que a ajuda a cuidar da caçula. Seu pai nunca é mencionado, o que de certa forma reforça o abandono experimentado, em muitos sentidos, por aquela garota.

Inserida em um ambiente machista e ameaçador, Marieme vê suas chances cada vez menores quando recebe um ultimato da escola, após repetir três vezes de ano, e ao ser interrogada pela diretora diz, “não é culpa minha”, e se cala, mas sua expressão nesse momento denota a amplitude de suas dificuldades.

Quando conhece Lady (Assa Syla), Fily (Mariétou Touré) e Adiatou (Lindsay Karamoh), Marieme, a princípio relutante, se junta a gangue de garotas de seu bairro e aos poucos vai se distanciando de sua família disfuncional para ganhar sua ‘liberdade’, mesmo que para isso tenha que cometer pequenos delitos, como furto, por exemplo. No grupo ela aprende rapidamente sobre hierarquia, companheirismo, pertencimento, amor.

Gradualmente a jovem vai se transformando – cabelo, roupas, trejeitos. Em uma ida a Paris, o quarteto visita lojas de grife e desperta a desconfiança de uma vendedora branca, que cerca Marieme, enquanto esta observa as roupas. Essa é uma cena-chave, já que ao ser defendida por suas amigas  incorpora de vez sua nova persona e encara a frase “Eu posso fazer o que quiser” como um mantra.

Marieme sorri pela primeira vez.

E quando escolhe uma faca como instrumento de defesa (ou seria de ataque?), a câmera se afasta lentamente. Presenciamos o nascimento de uma nova Marieme. A onipresença da cor azul – nas unhas, figurinos, cenários, iluminação – representa aquele novo mundo de possibilidades e sonhos.

A trilha sonora sempre marcante, com uma pegada moderna e eletro, funcionou de forma orgânica com a trama, pontuando alguns momentos de transição importantes. Destacaria a que as jovens cantam a música “Diamonds”, da cantora Rihanna (não escolhida por acaso, basta prestar atenção na letra), e a dança sincronizada em frente ao Arco da Defesa, em Paris. A espontaneidade contida nestas passagens só é possível por se tratarem, principalmente, de adolescentes vivendo talvez os momentos mais genuínos de suas vidas.

Sciamma olha com generosidade para suas garotas e pode-se dizer, sem ressalvas, que seu maior trunfo é a forma como conduz a atuação do grupo. Antes de mais nada, o filme contém uma profunda crítica social e política, e o faz sem julgamentos, sem a necessidade de vilanizar ou heroicizar seus personagens. Personagens complexos e passionais, antes de qualquer coisa.

Alguns caminhos não têm volta e na maioria das vezes é difícil olhar pra trás. A certeza de que não queria ser uma “menina direita” fez Marieme encarar os desafios necessários para alcançar sua tão almejada independência, mesmo que para isso ela tenha que abrir mão do convívio com aqueles que mais ama.

Cinemascope - Garotas posterGarotas (Bande de filles)

Ano: 2015

Direção: Céline Sciamma

Roteiro: Céline Sciamma

Elenco principal: Karidja TouréAssa Sylla, Lindsay Karamoh.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: França.

 

 

 

 

 

Veja o trailer: