Os palhaços estão sumindo.

É a partir dessa afirmação que Fellini dá início a outra fase de sua carreira, preparando um especial para a RAI (TV Italiana) que foi lançado no ano de 1970.

Oficialmente, o pedido era para que ele fizesse um documentário. Mas o que vemos mistura realidade e ficção, cinema, circo e teatro, numa tentativa de Fellini de fazer as pazes consigo mesmo, depois de tanta bagunça.

As últimas produções de Federico Fellini que haviam feito barulho no meio cinematográfico, até então, tinham sido Julieta dos Espíritos e Satyricon – duas imersões diferentes no universo surrealista.

Banhos de referência, figurino e direção de arte; fortes tentativas de ressignificar sua relação com o cinema e com a vida, buscando sentido em viagens internas e questionando a sociedade à qual fazia parte.

Em Os Palhaços, contudo, Fellini dá vazão à sua paixão pelo circo, declarada não só em entrevistas e biografias, mas em seu estilo de ver o mundo, tão único e especial.

Este filme começa com uma criança acordando e se dando conta de que o circo está na cidade, erguendo uma lona em frente à sua janela.

Esse sonho de criança de fugir com o circo é uma fábula antiga que remete às companhias mambembes de teatro, que passavam de aldeia em aldeia com suas carroças, apresentando seus espetáculos e encantando povoados inteiros.

Desta vez, o menino que sonha em fugir com o circo dá lugar ao adulto Fellini que se coloca como ator de seu próprio filme, em frente às câmeras, junto de uma equipe que percorre cidades da Europa atrás de grandes palhaços que fizeram história.

Existe a passagem do circo imaginado pelo menino – cheio de glamour, animais adestrados, tigres e atrizes famosas como Anita Ekberg querendo comprar uma fera – para o circo real: completamente sem glamour, cujos animais são interpretados por pessoas, e palhaços perguntam se já podem ir pra casa.

O Circo de Fellini não é nada fantástico, não é repleto de acrobatas fazendo números incríveis sem rede de segurança, não tem pavonices e nem crianças com seus ioiôs perfeitamente sincronizados. O Circo de Fellini tem gags clássicas, tem escatologia, tem palhaços estranhos, cheiro de serragem e suor.

É junto com este circo que fugimos. É para este circo esquisito e ao mesmo tempo fascinante como a criança que ri e chora do palhaço, simultaneamente, que somos convidados a fazer parte.

O filme todo é uma celebração à figura do palhaço. Fellini busca vestígios de palhaços famosos que fizeram parte da história do Circo e da história de sua vida, ao mesmo tempo que espaço para que outros palhaços apareçam, maquiados ou não.

O jogo dentro da linguagem do palhaço se utiliza bastante do atrito que pode existir entre as relações com figuras que têm muita autoridade ou são completamente desprovidas dela.

Há dois tipos principais de máscara: o palhaço Branco – autoritário, sempre bem arrumado, inteligente, zombeteiro, convencido – e o palhaço Augusto – muitas vezes explorado pelo Branco, ingênuo, bêbado, atrapalhado.

Uma das melhores passagens é uma conversa à mesa, um jantar informal de palhaços Brancos que acontece durante uma entrevista, todos sem maquiagem, relembrando seus momentos de glória e discutindo quem fazia os melhores figurinos.

Nino Rota, maestro e parceiro da vida de Fellini, retorna para compor a trilha deste documentário. Rota parece entender Fellini profundamente e isso se revela ainda mais quando vem uma temática que parece despertar uma paixão em ambos.

O Circo é uma fonte inesgotável de inspiração. É um lugar de vida e morte, de conquistas e derrotas, de sonho e medo. Para muitos críticos de cinema, Os Palhaços não entra como uma das obras-primas de Fellini, até porque não foi feito almejando um grande prêmio.

A figura do palhaço lida com o fracasso. Encontra beleza nisso e faz com que possamos encontrar prazer em rir pela vigésima vez da mesma piada.

O especial pra TV termina com o velório de um Augusto – seria essa a morte do riso? “As pessoas desaprenderam a rir”, diz um dos entrevistados. Diante de tudo e tanto, nossa musculatura emocional está flácida e esquecida. Por isso acredito que rever Fellini seja tão fundamental, nos dias de hoje.

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