Por Jenilson Rodrigues

Alguns filmes que são exibidos em primeira mão no Festival de Cannes ganham já de cara uma recepção nada parecida com o que os realizadores imaginavam para suas obras. Obviamente, as vaias para os filmes exibidos são decepcionantes, mas o que se pode tirar de positivo ou talvez servir de incentivo é que essa primeira impressão por muitas vezes se mostra um tanto quanto equivocada. Vaiaram Pulp Fiction em Cannes. E essa é só uma amostra de tantos outros filmes que se tornaram clássicos, ou que foram posteriormente premiados dentro do próprio Festival, apesar de não passarem pelo crivo inicial, mostrando que nem tudo é o que parece ser em Cannes. Só que aqui nesse #5+1 quem vai julgá-los merecedores de vaias ou aplausos é você!

Apenas Deus Perdoa (2013) 

Cinemascope - Só Deus perdoa

Após Drive (2011), o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, reapareceu em 2013 com outro longa trazendo Ryan Gosling como protagonista. Se o repúdio ao filme Apenas Deus Perdoa na 66ª edição do Festival de Cannes foi causado por frustração ou decepção, é difícil saber, até mesmo porque vaias não vêm acompanhadas de justificativas. Das semelhanças entre os dois longas, além de Ryan Gosling, em Apenas Deus Perdoa a violência também está presente, de forma bem diferente. Se em Drive ela complementa o sentido de cenas chaves do filme, no longa vaiado em Cannes ela explode como se fosse algo aparentemente natural. Ryan Gosling ainda ganharia vaias em Cannes em 2014 ao apresentar seu primeiro trabalho como diretor, Lago Perdido. E demoraremos a analisar se as vaias são justas ou não, pois seu primeiro longa metragem ao que tudo indica não chegará a ser lançado nos cinemas.

A Aventura (1960) 

Cinemascope - A aventura copy

O escritor inglês Aldous Huxley, em 1930, em seu Romance Contraponto retratou a vida de personagens que viviam em meio às transformações da sociedade enquanto desfrutavam de festas extravagantes e viagens luxuosas na companhia dos amigos. Ainda assim, nada era suficiente para que conseguissem se livrar do próprio vazio que preenchia suas vidas. O diretor Michelangelo Antonioni, em A Aventura, deu vida a personagens semelhantes, que experimentavam pequenos laços de convivência, usufruindo de luxo e requinte, mas que sempre culminavam em relacionamentos inócuos. É uma obra que trata da solidão, usando do contraponto de uma estética que prima pela harmonia, principalmente no que se refere ao figurino e fotografia.   

Taxi Driver (1976)

Cinemascope - Taxi Driver

Travis Bickle certamente devolveria a vaia a Cannes, se pudesse fazê-lo. Taxi Driver retrata um pouco da vida de um personagem que se tornou famoso pela personalidade, pelo senso de justiça e pelo comportamento incomum. Uma conduta que se transforma à medida que o sujeito vai desistindo da sua inútil luta para se adequar aos padrões da sociedade, em benefício próprio. É a história de um indivíduo que após inúmeras tentativas, resolve inverter o “pensar para depois agir”. Travis certamente se encaixaria na nossa lista de malucos do #5+1 Pura Insanidade e com certeza influenciou alguns dos psicopatas retratados em obras posteriores do cinema.

Coração Selvagem (1990) 

Cinemascope - Coração Selvagem

Acompanhando os filmes dessa lista, era de se esperar que alguma obra do diretor David Lynch aparecesse por aqui, muito mais pela peculiaridade de suas obras, obviamente. Assim como aconteceria posteriormente com Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer (1992), Coração Selvagem foi inicialmente rejeitado pelos críticos em Cannes. Agradando ou não, o road movie é perturbador, movido a sexo, violência e rock n’roll, com diversas referências a Elvis Presley e O Mágico de Oz (1939). O filme ainda carrega os tradicionais personagens estranhos de Lynch, não há um sequer capaz de fazer o espectador se situar ou se identificar dentro da trama. A previsibilidade da reação inicial de Cannes ante o filme com certeza não se repete na tela.

 

Crash – Estranhos Prazeres (1996) 

Cinemascope - Crash - Estranhos Prazeires

Assim como acontece com os filmes de David Lynch, é redundante falar de bizarrice ou personagens esquisitos quando o assunto é David Cronenberg. Apesar disso, talvez para alguns, Crash – Estranhos Prazeres possa não soar tão estranho. Regado a acidentes automobilísticos e orgasmos no banco de trás, o filme pode até mesmo colocar uma interrogação na cabeça do espectador. Mesmo que muitos digam que seja bizarro se excitar com sexo misturado a tragédias, estranho mesmo talvez seja entender o prazer exagerado de alguns diante do primeiro contato com um carro veloz ou ao encontrar uma cena com corpos mutilados e ferro retorcido e ficar ali, a espreita da desgraça alheia. 

Filme além dos clichês…

A Mãe e a Puta (1973) 

Cinemascope - A mãe e a puta

O diretor Jean Eustache mostrou ao mundo, em 1973, uma obra atemporal. É possível dizer que toda a interação facilitada hoje pela tecnologia já se encontrava ali. As redes sociais eram povoadas de conversas reais. Invadir o perfil de um amigo era fazer uma visita. O semelhante a compartilhar conteúdo seria o ligar para algum amigo, ou mandar alguma mensagem inbox ou dm através do correio.  A Mãe a Puta retrata toda a construção que envolve um relacionamento amoroso, desde a mágica do primeiro olhar às humilhantes e rancorosas brigas finais. Ainda é possível vislumbrar como duas histórias diferentes ao se juntarem sempre são ignoradas em prol de outra que descende dessa união. O filme junta várias narrativas dentro da mesma ao apresentar personagens tão complexos e instigantes. É impossível ficar indiferente a um programa de rádio francês que denuncia, em 1973: “Estamos na era da preguiça, onde tudo se resolve ao apertar um botão.” E para completar um monólogo emocionado da personagem Veronika, que aos prantos, já naquela época, desconstrói todo o sentido injusto da palavra puta.