Por Daniel Couto

Assim como em outras áreas, a desigualdade em postos ocupados por homens e mulheres é grande no cinema. A única etapa da produção de um filme que historicamente empregou mais mulheres foi a edição, ainda que pelas razões erradas: acreditava-se que por este ser um trabalho “manual” elas teriam mais afinidade em realizá-lo. Daniel Couto, professor do curso de Introdução à Montagem, analisa neste artigo porque o Efeito Kuleshov, tão importante para a sétima arte, talvez merecesse outro nome:

O Efeito Kuleshov é uma teoria muito estudada quando o assunto é a montagem no cinema. Em linhas gerais, o efeito consiste na inferência que o(a) espectador(a) consegue fazer ao assistir uma sequência onde um mesmo plano é justaposto duas vezes à uma imagem diferente.

Por exemplo: ao se montar o plano de um ator e na sequência adicionar o plano de um prato de comida, se após a imagem do prato  colocarmos o mesmo primeiro plano do ator, o espectador tende a concluir que este tem a sensação de fome. O efeito foi teorizado por Lev Kuleshov por volta de 1927.

Kuleshov

Mulheres na edição

Porém, é importante lembrar que nos primeiros anos do cinema grande parte da montagem dos filmes era feita por mulheres. De uma forma machista, muitos realizadores acreditavam que a edição era um trabalho de “menor importância” e de caráter exclusivamente artesanal. No documentário ‘The Cutting Edge’ (Wendy Apple, 2004), o montador e editor de som Walter Murch comenta o assunto:

“Neste momento do cinema, era preciso um sistema industrial para que tudo aquilo funcionasse. Nos primeiros 30 anos do cinema, muitos montadores eram mulheres porque era considerado um trabalho para mulheres. Era algo como tricotar, era como a tapeçaria, o bordado, em que se pegava em pedaços de tecido que depois eram unidos. Foi quando surgiu o som que os homens começaram a se infiltrar no meio das montadoras, pois o som era de certa forma elétrico, técnico, já não era como tricotar”.

No entanto, a história é reescrita a cada dia, seja por novos acontecimentos ou pelo esforço de pessoas que se propõem a revisitar e questionar o que está estabelecido. Karen Pearlman é uma dessas pessoas.

Além de montadora, Karen é também pesquisadora e publicou diversos livros sobre montagem, como ‘Cutting Rhythms’ (Focal Press, 2015). Ao escrever sua tese de Doutorado, Pearlman estudou muitos longas, entre eles o clássico ‘Homem com uma câmera’ (Dziga Vertov, 1929).

O filme é considerado um cânone do cinema soviético e é amplamente discutido e estudado por sua montagem. Um aspecto em especial despertava interesse de Karen pelo filme: Vertov não era o único responsável pela maestria em ‘Homem com uma câmera’, uma vez que a obra foi montada por sua esposa, Elizaveta Svilova. Em 2016, a pesquisadora chegou a realizar um curta inspirado no trabalho de Svilova, chamado “Woman with an Editing Bench”.

 

Kulhesov em xeque

Ao estudar o trabalho de Svilova e de outras mulheres montadoras dos primeiros anos do cinema e relacionar suas pesquisas com outras áreas como estudos da recepção e cognição humana, Karen coloca em xeque o famoso “Efeito Kuleshov“.

Elizaveta Svilova

 

Para Karen, o efeito não deveria ser creditado ao diretor soviético, mas sim à todos(as) os(as) montadores(as), explica.

“Uma vez que Kuleshov fazia seus ‘experimentos’ com filmes já montados, podemos caracterizá-lo (o efeito) não como um experimento em si, mas sim como uma demonstração de algo já experimentado. Kuleshov não trazia uma hipótese ou algo novo acerca do efeito, mas sim uma análise de como ele acontece. Uma vez que nos primórdios do cinema a montagem era feita por mulheres, as mesmas já estavam utilizando tal técnica antes mesmo dela ser demonstrada por Lev Kuleshov. Devemos nos lembrar que o ato de montar um filme diz respeito ao modo como iremos contar uma história. A razão pela qual eu não quero chamar esta técnica de Efeito Kuleshov, se deve ao fato que diversos(as) editores(as) usaram este método para contar uma história. Muitas delas eram mulheres”

(Episódio de Maio do canal ‘This Guys Edits‘. Disponível em:. Acesso em 13 de maio. 2019. Tradução Daniel Couto).
Com a tese em mãos, mais recentemente Karl Pearlman roteirizou, dirigiu e montou o curta “After The Facts”, uma espécie de manifesto que reivindica o efeito atribuído a Kuleshov como uma técnica que deve ser atribuída a todos(as) os(as) montadores(as). Confira abaixo:

 

Se você se interessou por essa análise e quer aprofundar seus conhecimentos sobre o trabalho das mulheres na edição e montagem  de produtos audiovisuais, clique aqui para receber informações sobre o curso de Introdução à Montagem do Cinemascope.

Nele, o professor Daniel Couto apresenta aulas teóricas e práticas sobre edição e você sairá apto a realizar seus primeiros trabalhos. Em breve as matrículas estarão abertas novamente.

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