Dona de uma extensa carreira marcada por filmes em diferentes gêneros, Kathryn Bigelow é um exemplo de diretora que prosperou na indústria cinematográfica norte-americana fazendo seus filmes sem abrir mão de uma visão autoral. Nascida na cidade de San Carlos, na Califórnia, Bigelow sempre foi conectada às artes. Na juventude estudou no San Francisco Art institute e participou do Programa de Estudos Independentes do Museu Whitney de Arte Americana, em Nova York.

Foi justamente nesse período formativo em Nova York que Kathryn descobriu sua vocação para o cinema. À medida em que produzia seus longas, a cineasta foi consolidando seu nome. Características marcantes como a mistura de gêneros e a ação imersiva a tornaram conhecida primeiro na cena independente e depois em Hollywood.

Em seus títulos a diretora aborda temas sociais, políticos e sexuais pouco ortodoxos e o faz dentro da máquina hollywoodiana. Ainda que nem sempre tenha o apoio financeiro dos principais players, Bigelow consegue que seus filmes sejam distribuídos por grandes estúdios e produtoras.

Por construir narrativas marcadas pela ação e por retratar a violência de maneira pungente, Kathryn quebra a errônea ideia de que homens e mulheres devem fazer determinados tipos de filmes. Nas palavras da diretora:

“Eu acho que as pessoas esperam que mulheres façam filmes domésticos. Eu não sei porque essa característica precisa ser relacionada a gênero, mas precisamos trabalhar contra esse tipo de preconcepção.”

Em nosso Instagram você confere mais características do cinema da diretora:

 

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10 anos do Oscar de Kathryn Bigelow

O nome de Kathryn Bigelow está intimamente ligado à história recente do cinema. Isso porque ela foi a primeira mulher a receber o Oscar de Melhor Direção e seu longa, Guerra ao Terror (2008), foi o primeiro filme dirigido por uma mulher a receber o Oscar de Melhor Filme. Antes dela, apenas outras três mulheres haviam sido indicadas ao prêmio: Lina Wertmüller por Pasqualino Sete Belezas (1975), Jane Campion por O Piano (1993) e Sofia Coppola por Encontros e Desencontros (2003). Confira abaixo o momento da premiação:

Quando Bigelow foi aclamada pela Academia pareceu, por um momento, que estávamos à beira de uma mudança de comportamento relacionada à produção de diretoras. Contudo, mesmo com essa vitória histórica e o trabalho de pesquisa de organizações como Time’s Up e Geena Davis Institute on Gender in Media, em 2019 as mulheres representaram apenas 12% entre os diretores dos 100 filmes de melhor bilheteria nos EUA, de acordo com o site Women and Hollywood.

Nos 10 anos desde a vitória de Kathryn apenas Greta Gerwig foi indicada à Melhor Direção em 2018 por Lady Bird: A Hora de Voar (2017). Já na categoria de Melhor Filme concorreram os longas Minhas Mães e meu Pai (2010), de Lisa Cholodenko; Inverno da Alma (2010), de Debra Granik; A Hora Mais Escura (2012), novamente de Kathryn Bigelow; Selma (2014), de Ava DuVernay; e Adoráveis Mulheres (2019), de Gerwig. Contudo, nenhum filme venceu e, exceto Greta, nenhuma dessas mulheres foi indicada à Direção.

Tais atitudes e dados revelam que, mesmo essencial, o Oscar de Bigelow em 2010 mudou pouco o pensamento sexista dos votantes da Academia, assim como o modo operante de Hollywood que minimiza o trabalho das mulheres na direção. A sorte é que sempre podemos contar com Natalie Portman para denunciar essa situação:

A Joyce Pais, criadora do Cinemascope, e a Luísa Pécora, do Mulher no Cinema, bateram um papo bastante elucidativo sobre o que teria mudado (ou não) nesses dez anos, desde o Oscar de Bigelow, bem como a repercussão deste feito na indústria e em iniciativas em torno da representatividade de gênero no cinema.

Inovações na técnica

Kathryn Bigelow também é reconhecida por suas contribuições técnicas ao cinema. Ao longo de sua carreira ela encomendou equipamento exclusivos e aprimorou o design de câmeras para adequá-las às cenas de ação únicas que tinha em mente.

Em Caçadores de Emoção (1991), Bigelow e o diretor de fotografia, Donald Peterman, modificaram uma Pogocam para que gerasse um senso de envolvimento físico nas sequências de ação. Ela foi usada na gravação da icônica sequência de perseguição entre Utah e Bodhi, que foi extremamente difícil de filmar e, consequentemente, muito rara em filmes do gênero.

Já em Estranhos Prazeres, para criar a perspectiva de primeira pessoa do SQUID, Kathryn e Matt Leonetti, diretor de fotografia, trabalharam mais de um ano no desenvolvimento de uma câmera que pudesse se mover com a mesma leveza e agilidade que o olho humano. Isso permitiu a ela compor a notória cena de abertura: uma sequência de três minutos em câmera subjetiva, onde um usuário anônimo de SQUID rouba um restaurante e morre tentando escapar.

Kathryn Bigelow e o uso do Slow Motion

Ao longo de sua filmografia, Bigelow foi aperfeiçoando também o uso do slow motion e a técnica se tornou recorrente em sua obra. A diretora desacelera determinadas situações para aumentar a imersão do espectador e inseri-lo na ação.

Em Caçadores de Aventura a técnica é usada na cena em que Bodhi incinera o carro de fuga e funciona como um momento de respiro dentro da sequência de ação. Posteriormente, no tiroteio entre Reagan e Bodhi, o slow motion captura a graça fluida contida no momento.

Já em Estranhos Prazeres, Kathryn desacelera a cena em que o filho de Mace corre para aumentar a conexão do público e criar um contraponto ao impacto emocional do clip de Jerkiko-One.

Por fim, o ápice acontece em Guerra ao Terror. Ali, a diretora expande seus experimentos anteriores com cenas em slow motion e reconfigura a espacialidade da violência. A notória cena da explosão nos mostra os cascalhos da estrada e a ferrugem dos carros se levantando devido à força da bomba.

Esse ajuste de escala fornece alguns momentos de graça e beleza em meio à uma cena de morte e confusão. Tal recurso retira o espectador da esfera humana da detonação e sugere a extensão destrutiva do ato.

O legado de Bigelow

Dona de um cinema autoral, Kathryn Bigelow é hoje um ponto de referência em Hollywood, tanto por satisfazer e transcender as regras do cinema de gênero, quanto por arquitetar narrativas ideologicamente complexas, viscerais e altamente pessoais. Seu cuidado com o espectador e as experiências que suas produções provocam servem de modelo para outrxs diretorxs jovens e consagradxs.

“Eu acho que filmes são mais bem-sucedidos quando eles desafiam o pensamento dos espectadores”

Kathryn Bigelow

Para saber mais sobre o cinema de Kathryn Bigelow confira o nosso especial no Instagram.

Com informações de Vogue, livro Kathryn Bigelow Interviews e artigo “Undoing Violence: Politics, Genre and Duration in Kathryn Bigelow’s Cinema. 

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