Há um tempo, em outro Dia das Mães, decidi escrever sobre o que na época chamei de “mães fortes do cinema”. Em uma lista de seis filmes, inseri personagens que passaram pelas mais diferentes situações: perder tudo e ir morar na rua com os filhos, ser obrigada a colocar o filho para adoção, precisar lidar com um filho que enfrenta transtornos psicológicos. Enfim, a lista tem de tudo um pouco. Ou pelo menos eu achei que tinha. Isso foi em 2015, com uma Sttela que começava a treinar seu olhar para questões como representatividade e diversidade no cinema. Na minha ingenuidade, acreditei que falando desses exemplos de mãe, que lidam sozinhas com tantas situações complexas, eu já estaria abordando a maternidade por um outro ângulo. Ledo engano.
Para começar, o título mães fortes é, como eu percebo hoje, equivocado. Assim como quando falamos sobre “mulheres fortes”. Está certo, a intenção é colocar o holofote em personagens que enfrentam situações adversas, lutam contra obstáculos que o mundo garante que elas não conseguirão enfrentar e que ousam se impor em um universo que as ensina que ficar calada é o correto. Porém, não são todas as mulheres – umas mais, outras menos – um pouco dessa personagem? Não são todas as mães fortes? E por que ainda colocamos a maternidade em tantas caixinhas? Quando falamos sobre mães no cinema, uma das coisas que mais encontramos é uma romantização que passa longe de muitas realidades. Precisamos encarar a verdade: nem toda mãe é uma personagem do Almodóvar. E que ótimo!
Nem todas são Julieta ou Raimunda (Volver), que sofrem apaixonadamente em sua função de mãe (o que não é ruim e não faz dela maus personagens, mas acaba imprimindo a noção de que mãe de verdade só aquela durona ou que sofre pelos filhos). Algumas, como é o caso extremo de Eva, em Precisamos Falar Sobre Kevin, não apreciam nem um pouco a maternidade. Outras, como Mariana, de Entre Nos, e Die, de Mommy, precisam lidar com o papel de mãe solteira, que passa por muitos perrengues e nem sempre ama serem mães, mas estão lá dando seu melhor. Algumas mães são aquelas como a Val, de Que horas ela volta?, que se dividem entre sacrificar a relação com os filhos para garantir um futuro a eles e acabam se tornando mães de filhos que uma outra mãe não se interessa tanto assim. Ou temos Juno, que vive a maternidade de um jeito próprio e é sincera consigo mesma ao entender que não está pronta/não quer viver aquilo ainda.
Por mais que vejamos mudanças, ainda hoje perpetua no cinema um dos estereótipos: ou a mãe sofredora – e esse pouco aborda as mulheres reais que sofrem cotidianamente pelos males que a própria sociedade lhe impõe, mas sim essa construção de alguém que precisa de uma tragédia absoluta para 1) se tornar forte e 2) realmente sofrer – ou a mãe idealizada, romantizada, apaixonada e que enxerga a maternidade como a melhor coisa que lhe aconteceu. Confesso que, em muitos dos filmes que eu vi, poucos se aproximaram, por exemplo, da minha mãe. Você já viu um filme em que pensou “nossa, essa é a minha mãe”? Ou você, que é mãe, viu algum filme em que realmente se identificou? Essa sensação, admito, só fui ter por poucas obras. Uma delas foi o brasileiro Benzinho, de Gustavo Pizzi. Outra que transmite as dificuldades da relação mãe-filho é o também brasileiro Como nossos pais, de Laís Bodanzky. Entre a solidão da mulher e marginalização de tantas, o oscarizado Roma, de Alfonso Cuarón, também tem sua porção do bolo quando o assunto é maternidade.
Algumas comédias tentam subverter um pouco esse papel tão caricato. Ligeiramente Grávidos, por exemplo, mostra a realidade de uma mulher que engravida sem desejar e enfrenta o medo de perder a carreira que começou a construir e o todas as incertezas de uma gravidez não planejada. Perfeita é a mãe – que já tem até uma continuação – retrata com humor e doses de realidade o que a maternidade – e, em alguns casos, o casamento – exige da mulher. Seguindo a mesma linha, mas talvez com menos aptidão, Uma Noite de Loucuras também reflete sobre como ser mãe não se baseia só em alegrias e beijos.
É interessante observar esse movimento, porém, ele ainda é lento. Pouco se fala maternidade LGBTQ+ ou de como é ainda mais difícil ser mãe e ser uma mulher negra em uma sociedade machista e racista. Tirando alguns documentários, raramente se fala sobre aborto (sim, ele é real e faz parte do universo da maternidade). Também não refletimos sobre a pressão em cima da mulher para se tornar mãe ou, quando ela não quer, a perseguição que ela precisa lidar. Falamos às vezes sobre mães adolescentes, mas não falamos tanto sobre mães depois dos 40. Adoção, quando vemos, é quase sempre embrulhado em algum clichê melodramático.
Talvez esse não seja o especial de dia das mães que se espera. A Sttela de quatro anos atrás com certeza não pensaria sobre isso, mas visões de mundo mudam – amém! – e são essas mudanças que precisamos ver no cinema. A história acontece, as formas de maternidade e os tipos de família mudam. Tendo o alcance que possui, o cinema precisa saber representar isso também e sair de seus lugares comuns. Você, como espectador, eu convido a refletir. Afinal, já passou da hora de retratarmos esse e outros temas com uma dose um pouquinho maior de realidade, não é?
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