O Anima Mundi  de 2018 homenageou o artista Wesley Rodrigues, animador talentosíssimo com quem tive o prazer de trabalhar (numa animação que infelizmente não foi finalizada). Conheci o Wesley pessoalmente em 2012 quando ele se mudou para Goiânia, após ter trabalhado no longa-metragem Até Que A Sbórnia Nos Separe (2013), da Otto Desenhos Animados – que por sinal completou 40 anos na ativa em setembro deste ano. Porém, antes de conhecê-lo, já havia colaborado com ele no roteiro de um curta-metragem, este que venceu o júri popular do Anima Mundi de 2013, Faroeste: Um Autêntico Western (2013).

O Wesley é uma daquelas pessoas que carrega pedra para descansar. Nas horas vagas da produção do Sbórnia, no intuito de tirar a mente do trabalho, Wesley fez uma animação que nada tinha a ver com o filme do Otto Guerra: era uma coelhinha branca fugindo desesperada. Ao terminar essa animação (se bem conheço ele, não deve ter demorado nem dois minutos), ele pensou “humm, e se eu colocar uma chuva de balas aqui nesta cena?” e foi o que ele fez…  Deepois disso, pensou “humm, e se eu colocar um urubu cangaceiro como o autor dos disparos?” e foi o que ele fez. E assim começou a tomar forma o seu filme, nos intervalos da produção de um longa-metragem.

Depois de várias cenas animadas aleatoriamente, Wesley as colocou numa sequência, acrescentou uma trilha sonora e fez o seu filme. Enquanto ainda morava em Porto Alegre, ele entrou em contato com produtores de Goiânia com quem já havia trabalhado antes, Márcia Deretti e Márcio Jr., para viabilizar este projeto e uma das coisas que eles perceberam era a falta de coerência na narrativa. Abro um parênteses para comentar sobre esta sua forma de trabalho. Em 2012, o Wesley estava terminando de desenhar o Imaginário Coeltivo, graphic novel lançada ao final de julho de 2018 pela Darkside, projeto que teve início por um concurso de outra editora (eram pedidas 20 páginas iniciais, mas o Wesley mandou 80, sem roteiro e sem planejamento, e, por incrível que pareça, havia uma certa lógica naquela história: uma vaca que aprende a voar, destrói cidades e engole o mundo faz total sentido pra mim dentro daquele contexto). Mas o Faroeste precisava de algo a mais, senão, seria só mais um filme.

Foi então que os produtores me chamaram, me mostraram o filme para que eu pudesse escrever um tratamento do roteiro. Eu ainda tenho em meu computador esta versão primária, datada de maio de 2010. Nesta versão, o Ceifador do Sertão é apresentado logo no início; a segunda cena era a fuga do Maverick, personagem cuja backstory era apresentada pela metade do filme; a trilha sonora tinha muitas músicas do Ennio Morricone, e a música de encerramento era do Lenine, usadas sem licença. Através de várias conversas com os produtores, alteração na ordem das sequências, acréscimo de alguns planos, gravação das vozes, e a composição de uma trilha sonora original, o filme foi ganhando outra forma. Na versão oficial a narrativa é contada de forma linear, iniciando pelo passado do vilão Maverick, ainda filhote tendo contato com armas; e vemos a família de coelhos ter a ideia de contratar um matador de aluguel a partir de um anúncio na TV; e o anúncio do carro da pamonha deixa claro o objetivo de arrecadar dinheiro para pagar o matador de aluguel.

Faroeste: Um Autêntico Western ainda estava em pós-produção quando Wesley o inscreveu no Anima Mundi em 2013. O prazo para inscrição do filme no festival estava quase acabando, e ainda levaria mais algumas semanas para ajustar o áudio, mesmo assim o filme foi inscrito com uma versão beta, a versão oficial seria enviada depois para a exibição no festival. Como o Anima Mundi preza pelo ineditismo, havia o risco de o filme não entrar para a edição do ano seguinte, por isso Wesley decidiu arriscar. Uma decisão muito acertada, pois, Faroeste foi vencedor de melhor filme por júri popular, e nos dois anos seguintes seguiu ganhando prêmios, incluindo melhor animação no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Melhor Trilha Sonora Original na Mostra ABD do FICA.

Faroeste se tornou um clássico que ainda hoje é exibido em mostras e festivais, e, além de alavancar a carreira de seu autor, contribuiu muito com a animação no Estado de Goiás, seu trabalho inspirou muitos artistas a seguir este caminho (incluindo eu). Recomendo que vejam todas as animações que constam seu nome nos créditos, mesmo em trabalhos terceirizados, sua animação tem peso, é fluida, rápida, bem resolvida, e suas histórias são loucas, viajadas, “fritas”.