Dê o play em Secondo Intermezzino Pop (Ennio Morricone) >
Essa faixa logo de cara é pra sentir o clima de uma trilha que te conduz pela mente perturbada de Baby. A partir daí o garoto te chama pra dançar, e se com The Jon Spencer Blues Explosion no talo ele ainda não conseguiu te fazer levantar da cadeira, o Harlem Shuffle de Bob & Earl com certeza fará você se entregar.
A experiência emocional imaginativa sonora de Baby Driver tem a estrutura de um baile para os aficionados em música. Aqueles que respiram sons e que se pudessem colocavam trilha sonora em cada movimento e em todos os momentos da vida. Baby se comporta exatamente como quem literalmente vive em outra frequência quando tem música entrando pelos ouvidos. Quem não se conforma somente com arquivos infinitos de mp3 em nuvem, e faz questão de ostentar um acervo físico e digital com suas coleções musicais companheiras de todas as horas.
A trilha sonora do filme de Edgar Wright se estende pra bem além da tela e dá pra levar esse efeito no bolso por aí curtindo o ritmo de Baby Driver em streaming a qualquer hora e em qualquer lugar. E quem é viciado em música sabe a diferença de uma caminhada, corrida ou viagem onde você é o diretor que sonoriza cada passo. Quem nunca se sentiu como o empolgado Baby nas ruas ou como se fosse o folgadão Richard Ashcroft cantando e atropelando tudo pela frente em Bitter Sweet Symphony?
Agora já pode tocar a trilha na ordem normal >
E como Ashcroft já cantou, Music is Power. Baby deixa isso bem claro carregando ipods recheados de sons que determinam ou acompanham seu humor. E ainda vai captando mais sons por onde passa. Uma espécie de Sylar (Heroes) que sai por aí sugando os poderes que vêm dos sons que as pessoas produzem.
Edgar Wright soube captar bem o espírito de músicas meio esquecidas para construir uma trilha praticamente nova, com coesão e ritmo próprio. Não é só um compilado de sons já conhecidos. Se para o protagonista de Baby Driver as letras direcionam seus passos e as faixas instrumentais trazem o efeito de maior liberdade de imaginação e interpretação, o mesmo se aplica a quem curte a trilha do início ao fim. O diretor também é um viciado em música, o que contribui bastante para a sincronia entre sons e imagens em movimento no filme.
Mais do que apenas sincronizar, Wright tirou a música do segundo plano e a transformou em protagonista. Baby não é nada sem suas canções. Esse tipo de trilha sonora com uma coletânea de músicas selecionadas a dedo de acordo com as preferências do diretor é uma fórmula que já deu um caldo em outras produções do próprio Edgar Wright. É basicamente o que também rola com alguns filmes do Tarantino.
A mistura de músicas de várias épocas e ritmos diferentes cria nuances que mantém a cadência da trilha. Uma narrativa permeada por canções psicodélicas antevendo pontos de destaque na sequência musical mescladas com temas dançantes que falam de amor, aventura e emoção.
Let’s Go Away for a While faz parte do álbum Pet Sounds (1966), dos Beach Boys. Brian Wilson inicialmente chegou a dar o nome de The Old Man and The Baby para a canção. Em 2016, o disco ganhou um tributo organizado pelo Festival Levitation (EUA), com direito a versão dos goianos do Boogarins para a faixa.
De 1966 para 1978, Carla Thomas e a sua B-A-B-Y marcam o ponto alto da trilha e do filme. Se considerarmos Baby Driver na estrutura de um hit musical, esse é o momento em que o refrão invade os ouvidos para fixar na mente o que a trilha tem de melhor. Num baile seria a hora da pista de dança dar lugar aos que querem brilhar na noite. No filme a faixa sai direto do vinil Stax, lançado em 1961, que Baby encontra em uma loja para eternizar a música com sua performance, interpretando a canção com a empolgação de quem acha uma verdadeira relíquia a caminho de casa, no mesmo momento em que encontra o amor.
O jazz funky Kashmere (1968) e a agradável Unsquare Dance (1961) vêm logo após o momento em que o amor parece querer tomar conta de Baby e conduzir o já-não-tão-garoto-assim a um destino menos previsível e mais emocionante. São temas de passagem que conduzem bem o momento que anseia um ponto de virada na aventura musical do filme.
E no meio de clássicos, surge Yellow Shoots, com a faixa Wild Fire. O single novíssimo de 2017, tem uma sonoridade R & B que se encaixa perfeitamente com o ritmo da trilha, preparando terreno para a espertíssima Neat Neat Neat do The Damned.
A troca de carros no filme parece transparecer a emoção da troca de faixas. A expectativa do que está por vir após a transição de uma música pra outra se soma a sensação de alívio numa pausa nas faixas velozes para a entrega à uma balada para recarregar as energias.
A técnica de misturar sons e falas do filme e transformar tudo em novas faixas musicais é basicamente a mesma utilizada pelo Dust Brothers, em Clube da Luta (1999). Uma maneira de eternizar sensações captadas no cinema e de levar esse registro audiovisual pra outra realidade.
Além de contar com nomes conhecidos como Commodores, Blur (bonus track), James Brown, Beck e Queen, a trilha de Baby Driver tem uma estrutura que faz sentido dentro e fora do filme. Sua força transparece a experiência e a habilidade de quem sabe onde cada acorde se encaixa dentro da realidade construída na mente em contato com música por música da trilha, numa sincronia praticamente perfeita, de ponta a ponta.
Só faltou mesmo Edgar Wright incluir Por Isso Corro Demais, do Roberto Carlos, não acha? O Em Ritmo de Fuga, como o filme foi chamado no Brasil, já poderia lembrar de cara o Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968). Essa faixa com certeza encaixaria perfeitamente na interpretação de Baby, cantando apaixonadamente para sua amada Deborah. Apesar que as faixas Tequila e TakillYa têm uma base que bate forte em Calhambeque, não é mesmo?
Depois de terminada a audição, difícil é ouvir a faixa Baby Driver, do Simon & Garfunkel novamente e não sentir a atmosfera dessa trilha. Uma vez dentro dessa seleção, as músicas já ganham efeitos e significados diferentes pra quem ouve. Essa ressignificação não é uma exclusividade do filme, mas assim como em outras grandes produções, a trilha de Baby Driver definitivamente não é como aquelas que mofam em prateleiras físicas ou virtuais, sendo lembradas apenas como uma coletânea legal de sucessos.
Enjoy!