É nítido que filmes integralmente em plano sequência já não são uma novidade (um exemplo recente de um vencedor do Oscar deste tipo é Birdman), e muito menos filmes de guerra, que por si só são um gênero cinematográfico.
Porém, Sam Mendes parece alinhar bem a forma narrativa do plano sequência com esse gênero em 1917, com sua singela história que acompanha os cabos Schofield (MacKay) e Blake (Chapman) em plena Primeira Guerra Mundial. A missão de ambos é percorrer o território inimigo e entregar uma mensagem para um grupo aliado, impedindo-os de caírem numa armadilha mortal.
O que mais fascina aqui e traz uma vivacidade para o gênero é a individualização que a escolha do plano sequência causa. Se os filmes de guerra costumam trazer diversos personagens, uma montagem mais ágil com vários planos para explanar o escopo grandioso e tenebroso da guerra, aqui, ao estar “preso” no plano sequência, Mendes consegue nos aproximar muito dos personagens principais. O espectador se espelha e se enxerga como um deles, ainda mais por estar o tempo todo ao seu lado.
Portanto, mesmo com um frágil roteiro escrito pelo próprio Mendes e por Krysty Wilson-Cairns, a narrativa ainda o sustenta. Tanto subjetivamente, já que causa esse efeito de nos associar ao protagonista, como tecnicamente.
O cuidado que o diretor tem em estabelecer uma mise-en-scène que seja compreensiva, tanto pela posição dos atores, quanto o cenário, é meticuloso e poucas vezes cansativa. Há um excesso do plano médio, para sempre situar o personagem e o ambiente, o que causa às vezes um distanciamento, mas ainda sim é sempre muito bem executado.
Roger Deakins, diretor de fotografia brilhante (responsável por Blade Runner 2049 e costumeiro parceiro dos irmãos Coen), aqui mais uma vez exerce um trabalho primoroso com o uso de cores e luzes. O momento em que o cabo Schofield está em uma cidade em chamas e corre para fora dela, sendo possível ver o céu amanhecendo é de uma beleza estética estonteante. Além, claro, do cuidado do movimento da câmera em concentrar todas as informações ali.
Sobre o elenco, Dean-Charles Chapman e George McKay cumprem bem sua função, mas são personagens vagos e com poucas informações, o que os aproximam ainda mais de “avatares” do espectador naquela missão. Já o resto do elenco é composto de pontas de luxo que não agregam muito, a não ser rostos conhecidos como Colin Firth, Mark Strong e Benedict Cumberbatch.
1917 ainda sabe criar uma tensão a todo momento. A lógica do plano sequência beneficia esse suspense por estarmos fixos ali com os personagens e sem jamais ter consciência do que está por perto ou para vir diante deles, podendo estar a um passo da morte a qualquer instante.
Há também um apelo emocional no terceiro ato que consegue soar pungente, graças a todos os esforços que são realizados ali, embora tenha uma pieguice (principalmente nos minutos finais).
O interessante também em 1917 é que, se tratando de um filme de guerra, o clímax não inclui personagens lutando com seus inimigos, mas sim enfrentando seus medos e buscando honra, o que revela a natureza mais simplória e menos catártica de Sam Mendes.
Mesmo não utilizando um formato novo e muito menos um tema original, 1917 traz aspectos interessantes e uma tecnicalidade impecável. Estes elementos tecem uma dimensão mais solitária que a guerra pode ter e expoem o horror gigantesco no diminuto indivíduo, porém carregado de coragem e honra.