Publicado em 1949, o prestigiado romance de George Orwell – 1984 ganhou rápido destaque no circuito literário britânico, e mundial. Ao projetar uma sociedade ficcional, porém repleta de traços e reminiscências de nossa própria realidade, o livro permeou o imaginário social, tornando-se um clássico quando a discussão refere-se aos regimes totalitários e autoritários do século XX.

Na mesma linha, o filme homônimo do diretor Michel Radford, lançado após 35 anos da publicação do livro, reitera a pertinência do assunto, demonstrando a atemporalidade dessas obras que integram e consagram o tesouro coletivo da humanidade.

O filme faz jus ao livro. O enredo é praticamente o mesmo. Em um mapa geográfico distante do que conhecemos, são apresentados três continentes em estado de exceção permanente: Oceania, Eurásia e Estásia. A sociedade é fundamentada em vigilância, punição e controle. Nesse sentido, o livro, bem como o filme, parece ilustrar o emblemático livro de Michel Foucault – Vigiar e Punir (1975).

Temos acesso aos acontecimentos a partir da perspectiva de Winston Smith (John Hurt), um funcionário do Ministério da Verdade. Este é responsável por censurar quaisquer informações que estão além do escopo do sistema. O estado de vigilância é representado com a figura do Grande Irmão (Big Brother). Ele tudo observa, a partir das teletelas espalhadas pelos quatro cantos da sociedade, gerando um clima de paranoia. Todos, ao mesmo tempo, vigiam-se e são vigiados. Novamente, a relação com a obra de Michel Foucault, quando este descreve o Pan-óptico, é inevitável.

1984 é arrastado, demonstra com paciência o cotidiano maçante dos operários. Estes, reprimidos pelo sistema, são obrigados a se vestirem iguais, e proclamarem palavras de ordem. O cenário construído no filme retrata com excelência a hierarquia da sociedade, onde o topo da pirâmide convive com o luxo e os operários com o lixo.

Há no livro, bem como no filme, um ataque direto à linguagem e à estética. O primeiro é representado a partir de uma redução drástica dos recursos linguísticos, almejando a extinção da pluralidade de sentidos da língua, impossibilitando qualquer discurso contra o governo. Sabe-se que a retórica é uma ferramenta poderosa para a instauração de fissuras no pensamento.

O outro ataque está na percepção, nos modos de sentir. Nessa sociedade, estritamente tecnicista e regulamentada não há espaço para a sensibilidade. Impera-se a razão violenta e cega, destituída de qualquer sensibilidade que, como sabemos lhe é imanente. Este ataque é representado quando Winston Smith é severamente punido devido ao seu envolvimento amoroso com Julia (Suzanna Hamilton), outra operária. É na sala de punição 101 que conflitos e dilemas morais tomam corpo. Com uma atuação brilhante, acompanhamos lentamente o definhar do protagonista.

Com cenas belíssimas e diálogos importados do livro, onde o diretor justapõe sonho e realidade, prazer e tortura, 1984 denuncia a violência praticada pelos regimes totalitários que pipocaram na geografia mundial no decorrer do século XX.

O livro de George Orwell bem como o filme de Michel Radford é um lembrete político em tempos de alta vigilância e controle. Em um momento onde os mais variados dispositivos têm acesso aos nossos dados em um piscar de olhos; onde o reconhecimento facial, e a inteligência artificial evoluem de modo galopante, se faz necessário voltar atrás e se perguntar se as fabulações distópicas de Orwell já não fazem parte da tessitura do nosso social.

A sociedade distópica de 1984 é abordada no curso de Panorama do Cinema Distópico, ministrado pela professora Thaís Lourenço. Mais informações no link abaixo.

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