Por Jenilson Rodrigues
“Amo a sensação de uma música antes de entendê-la”.
Desde que Nick Cave apareceu inusitadamente no cinema cantando A Balada de Jesse James numa ponta em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Bob Ford (2007), a curiosidade por vê-lo novamente na telona – seja em qual situação fosse – pairava sobre a mente daqueles que de alguma forma conseguem se conectar com seu universo tão peculiar retratado parcialmente no longa 20000 Dias na Terra, dos diretores Iain Forsyth e Jane Pollard.
A estrutura do filme em muito se assemelha ao próprio processo de criação de Nick Cave, que também é um dos responsáveis pelo roteiro. Ele deixa bem claro suas predileções pelo contraponto de colocar lado a lado em suas canções situações adversas e ver as faíscas voarem diante do confronto que pode revelar resultados inesperados. Algumas histórias narradas por ele diante de seu analista são entrecortadas por outros acontecimentos inusitados de sua trajetória, fosse essa cercada por esse processo criativo ou não. Porém, o resultado de suas composições paralelo ao da estruturação do filme se apresenta ainda mais complexo. Essa semelhança entre eles não chega a ser uma constante.
Nos instantes em que Nick se apresenta imerso em seu mundo, onde ele próprio se autodenomina outro ser, as cenas se apresentam sombrias, carregadas, com pouco espaço para algum tipo de iluminação. As conexões com o “mundo real” se fazem presentes através de uma claridade que insistentemente invade alguns momentos de devaneios advindos de narrativas inimagináveis utilizadas na construção de suas canções. É como se ele fosse tragado forçadamente por uma energia de igual ou maior proporção que ainda conseguisse desancorar seu barco que insistia em permanecer cercado por águas desconhecidas e intranquilas.
Nos momentos pouco glamorosos que representam o cotidiano de Nick Cave, é possível até mesmo vir à mente a vida por trás das câmeras do problemático personagem Johnny Marco, em Um Lugar Qualquer (2010), de Sofia Coppola. Porém, essa aproximação se faz mais pela sutileza com que tais passagens na vida de ambos são retratadas do que pela pouca semelhança existente entre o comportamento dos protagonistas. E no caso de Nick, sua história está ali, toda escancarada por ele mesmo, seja relembrando horas desgastantes de inspiração e dedicação à música ou saboreando um pedaço de pizza enquanto acompanha o massacre dos inimigos de Tony Montana em Scarface (1984), com os filhos no sofá de casa.
20000 Dias na Terra é sobre Nick Cave, sobre The Bad Seeds, sobre Nina Simone, Kilye Minogue, religião, drogas, inspiração, amor, e, sobretudo sobre música. A música que passa por um período indeterminado de gestação na mente do sujeito, para ser apresentada ao mundo ali no estúdio, envolta por uma estética que valoriza principalmente as primeiras cores com as quais temos contato na vida: o vermelho, o preto e o branco. A música que cresce e se torna selvagem para depois ser domada e servir ao seu criador, sendo finalmente executada, ao vivo, naquele ambiente escuro e assustador, diante de olhos, corpos e ouvidos atentos, ávidos por sua energia. A mesma música que depois de executada renasce e se torna indestrutível nos corações, mentes e na alma de cada ser tocado de alguma forma por seus acordes. E ela segue sua sina, sem paradeiro, causando estragos e inquietação por onde quer que passe. E é ela mesma – a música – invencível, quem parece cantar ao final de Jubilee Street, faixa do disco Push The Sky Away:
I’m transforming, i’m vibrating, i’m glowing
I’m flying, look at me
I’m flying, look at me now
20000 Dias na Terra (20,000 Days on Earth)
Diretor: Iain Forsyth e Jane Pollard
Roteiro: Iain Forsyth, Jane Pollard, Nick Cave.
Elenco Principal: Kilye Minogue, Nick Cave.
Gênero:Documentário, Drama, Música
Nacionalidade: Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
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