A Guerra dos Sexos é o tipo de filme que satisfaz mais pelo conteúdo do que pela linguagem. O novo trabalho de Jonathan Dayton e Valerie Faris – os mesmos diretores do jovem clássico Pequena Miss Sunshine – é um bom exemplo de empolgante obra esportiva, mostrando o processo de superação de uma atleta antes de uma disputa importante. Nesse aspecto, o filme é agradável e edificante na medida correta. Mas a obra consegue ter um pouco mais de personalidade ao abordar a homossexualidade de sua protagonista, quebrando, dentro de uma narrativa linear, alguns velhos estereótipos.
Diante das premiações inferiores do campeonato de tênis feminino americano, a líder da classificação mundial Billie Jean King (Emma Stone) decide abrir um novo campeonato, passando por várias adversidades com suas companheiras atletas, devido a falta de apoio por parte dos grandes nomes (masculinos) do tênis americano nos anos 1970. Durante a competição, ela recebe uma ligação do ex-campeão Boby Riggs (Steve Carell), um tenista premiado de 50 anos e viciado em apostas, que está passando por uma crise no casamento. Ele a desafia para uma disputa simbólica nomeada de Guerra dos Sexos. Billie Jean recusa, mas depois de uma outra atleta perder, aceita o desafio.
Em meio a esse processo, Billie Jean, que é uma mulher casada e bem sucedida, se apaixona pela cabeleireira Marilyn Barnett (Andrea Riseborough). O retrato da relação entre as duas é marcado por um tom de simplicidade, se focando em sorrisos e trocas de olhares. Como toda boa paixão, quando as duas estão juntas o tempo parece ficar suspenso. Ouvimos pouco ou quase nada das pessoas em volta, para então acompanharmos somente a interação entre elas – a cena em que Marilyn corta, pela primeira vez, o cabelo de Billie Jean é um ótimo exemplo dessa abordagem. Diante da pressão do mundo externo – seja pelo escarcéu montado por Bobby Riggs ou pelas sanções absurdas feitas por Jack Kramer (Bill Pullman) – a relação com Marilyn une camadas que até então estavam isoladas, fazendo com que a personagem de Emma Stone se torne, ao mesmo tempo, amante e amiga.
Ainda que esse retrato possa parecer inocente, sempre é bom quebrar velhos estereótipos que teimam em permanecer até os dias de hoje. E olhando os tempos atuais, A Guerra dos Sexos ganha uma nova força. Bobby Riggs parece o antecessor perfeito de um tipo de figura pública que defende supostos valores tradicionais por meio de discursos ofensivos que diminuem e agridem todas as pessoas contrárias aos seus pensamentos. Nos EUA, há Donald Trump. No Brasil, Jair Bolsonaro. Como contraponto, a história de Billie Jean é um ótimo exemplo de como discursos preconceituosos afetam humanos de verdade, com conflitos que qualquer um pode sentir, independente de sua opção sexual ou política. Ainda que essa noção pareça tão simples, é necessária retomá-la, pois os discursos às vezes são proliferados de forma tão mecânica , que os seus interlocutores parecem esquecer que “do outro lado” há indivíduos e não generalizações. Identificar essa força no filme a partir de um atrito entre o seu conteúdo e o contexto atual não é algo que o reduz artisticamente. Há várias formas de analisar uma obra – podemos focar na construção dos personagens, em elementos de linguagem ou simplesmente no conteúdo – e todas essas formas são válidas e necessárias no exercício da crítica. Mas sempre é bom lembrar que um filme geralmente não é algo isolado das várias contingências que o cercam, sejam técnicas, subjetivas, pessoais, históricas ou políticas.
A narrativa paralela entre Billie Jean e Bobby Riggs não funciona tanto no inicio. No primeiro ato, há um momento em que Bobby é esquecido, para prevalecer a empreitada esportiva da personagem de Emma Stone. No entanto, a relação entre os dois mundos fica mais interessante justamente pelo jogo entre vida pública e privada estabelecido, de diferentes maneiras, nos dois personagens. Bobby é o individuo falastrão, sustentado pela esposa e que – de uma forma estranha – realmente parece amá-la. Billie Jean é a tenista em ascensão, mas que não parece satisfeita com a sua vida naquele momento. A infelicidade dos dois ganha contornos visuais pela recorrência de planos levemente distantes, que enquadram os atores em situações solitárias, e com os corpos encurvados em tensão. Esses momentos entram em conflito com a vida que os personagens levam – seja nas viagens em grupo de Billie Jean ou nos encontros entre amigos de Bobby Riggs. Nessa construção, o filme consegue despertar uma leve empatia pelo personagem de Steve Carell. Ainda que excêntrico e ofensivo nas declarações públicas, na sua vida pessoal ele parece alguém completamente perdido. No mundo privado, a sua real preocupação não é com o feminismo, mas com o fato de que sua mulher está prestes a lhe largar devido ao seu vício em apostas. Contudo, a empatia é momentânea, pois o personagem também é levado a um certo maniqueísmo, mas que é necessário para a parte esportiva do filme funcionar.
Steve Carell entrega uma perfomance satisfatória. O lado extravagante de Bobby Riggs encontra um bom abrigo no talento cômico do ator. Porém, uma das grandes forças do filme é a atuação de Emma Stone, pois nela, a personalidade forte de Billie Jean – uma liderança feminina no tênis – convive harmoniosamente com a sua timidez, que é justamente aquela timidez espaçosa, que mais encanta do que ameniza. Os primeiros planos focados em seus sorrisos e olhares demonstram bem a capacidade da atriz em dizer muito, com muito pouco, justificando, de certa forma, algumas indicações que tem recebido na temporada de premiações. Porém, ainda que o filme não leve muitas estatuetas, ele tem o seu valor ao retratar de forma singela uma mulher em processo de autodescoberta – mostrando as suas aflições, mas sem perder a ternura e o humor durante a narrativa.