Vencedor do prêmio de Melhor Direção e Melhor Montagem no Festival de Gramado desse ano, A Voz do Silêncio usa tais categorias para contar uma história 360 sobre os vários personagens que cruzam o caminho uns dos outros na capital de São Paulo em momentos comuns do cotidiano.
Curioso é que seu melhor elemento é justamente o que apresenta no título: os momentos onde André Ristum foca sua câmera em personagens sentados no ônibus, no metrô ou nas ruas de São Paulo. Há um sentimento patente de esvaziamento que o espaço cosmopolita causa naqueles vários indivíduos, evocando suas histórias e biografias. Para tal efeito, a narrativa recorre a um pensamento comum em nós: aquele momento em que surge um fascínio por alguém desconhecido em um ponto de ônibus, por exemplo, e nos perguntamos quem é aquela pessoa, para onde ela vai e o que a faz estar ali.
Infelizmente, essas passagens sensíveis e evocativas do filme são bem pontuais, já que se diluem na tentativa do roteiro de criar dramas humanos e realistas, destruindo a maior beleza do projeto. Ao mirar no desenvolvimento das histórias dessa galeria de personagens, o roteiro apela para melodramas, facilitações e uma pretensa humanização daquelas figuras que simplesmente não se sustentam. Mesmo ao lidar com situações que são cotidianas (uma mãe que precisa atingir uma meta de trabalho; um idoso doente; um jovem que mora sozinho devido a discussão com sua mãe), a forma como são conduzidas e tratadas fogem desse realismo e o torna o que é mais perigoso a um filme como esse: artificial.
Toda a trama que envolve a personagem da Marieta Severo, por exemplo, é desperdiçada ao contrastar a tentativa de naturalidade das outras histórias com momentos de alucinação dela que se materializam na tela. Até mesmo apelando pra uma cena ridícula e clichê onde algo na televisão passa a interagir com o que a mesma assiste.
Esses tipos de elementos também são vistos na premissa do personagem de Marat Descartes: um típico homem abusador, machista e mau-caráter. Mesmo tentando suavizar sua índole corrompida ao mostrar as visitas que faz à sua esposa em coma, isso não faz com que nos compadeçamos dele. Por não atingir seu objetivo, temos minutos de tela que são um sacrilégio de acompanhar e que arruína mais ainda o filme.
Por tratar de várias tramas e personagens, tudo soa pouco explorado. Essa falha é disfarçada ao conectar os personagens, às vezes de forma orgânica (como ao estarem no mesmo vagão de metrô) ou de forma ilógica (como o momento em que o avô leva seu neto criança para um bar com show de pole dance).
Essa série de decisões equivocadas e mal executadas se sobressaem diante de uma proposta até interessante e com um elenco bastante competente (Severo e Descartes), tornando A Voz do Silêncio uma tentativa frustrada e batida de retratar os indivíduos e seus dramas na capital paulista. Ao enfiar Não Existe Amor em SP, do Criolo, no meio da história como forma de tornar tudo mais poético, só alcança o lugar-comum como experiência.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.