A rivalidade entre EUA e Rússia sempre rendeu um bom material para o cinema. De Hitchcock a Kubrick, grandes diretores já se debruçaram sobre o tema, seja para criar filmes de espionagem, seja para sátiras políticas. A rixa entre os dois países permanece atual, sendo retratada recentemente em filmes como Atômica (2017), Operação Red Sparrow (2018) e o mais recente Anna: o Perigo Tem Nome.
Focado na vida de Anna Poliatova (Sasha Luss), o longa aborda todo o conhecido universo de missões confidenciais, viagens internacionais e tramas de investigação. Anna é uma espiã do governo russo, recrutada para trabalhar por cinco anos em uma divisão da ultrassecreta KGB. Nesse período, ela reporta seu progresso a Olga (Helen Mirren) e estabelece conexões com o russo Alex Tchenkov (Luke Evans) e o americano Lenny Miller (Cillian Murphy).
Logo no início, o roteiro desenvolve a história de maneira padrão. Vemos leves cenas de ação intercaladas por sequências do dia a dia de Anna. Assim como a protagonista atesta, tudo se movimenta muito rápido. A estrutura se torna interessante ao apresentar uma descontinuidade temporal. A cada 20 ou 30 minutos o filme passa por um flashback ou flashforward, gerando pontos de virada da narrativa a partir deles. Contudo, por ser usado com frequência, o recurso se torna cansativo.
A trama também possui alguns red hearings levando o público por uma direção e, ao chegar no ápice da cena, apresentando uma resolução diferente do esperado. Até mesmo quando entrega o que se aguarda, isso acontece num momento diferente do convencional.
O melhor exemplo aqui é a cena de Anna e Lenny no armário do bangalô. Apesar da tensão criada pela situação, o desfecho é diferente do que o público imagina, pelo menos naquele momento. Tais questões mostram o domínio que o diretor e roteirista Luc Besson tem sobre as convenções de gênero e as expectativas da plateia.
Anna: O Perigo Tem Nome difere também na construção da protagonista. Ela não é apenas uma fria máquina de matar que pula de um trabalho para outro. Anna possui um lado humano que anseia por uma vida normal. Some-se a isso o fato de vermos pessoas falando russo na Rússia e o longo processo de infiltração de um espião para concluir uma missão e temos um filme que agrada o expectador por seu tom realista.
Outro fator que colabora para isso é a atuação de Helen Mirren. A veterana faz boas escolhas e parece confortável no papel da durona Olga. Muito de sua experiência auxilia na performance de Sasha Luss. A novata, que debuta como protagonista, aparece bem em algumas sequências difíceis, principalmente quando contracenadas com Helen. Entretanto, em outros momentos está um tanto inexpressiva. Mesmo que essa seja uma caraterística de Anna, falta requinte no trabalho da atriz.
Falta também um toque de criatividade. A narrativa é semelhante à de filmes recentes e não chega a surpreender. Comparando com Operação Red Sparrow, por exemplo, em ambos os filmes temos espiãs russas treinadas por um órgão de inteligência para se infiltrarem em governos estrangeiros e adquirirem informações privilegiadas. Anna e Dominika (Jennifer Lawrence) são armas letais que acabam na mira da própria nação enquanto vivem paixões tórridas. Nada de novo até então.
Nem mesmo as reviravoltas do roteiro que, mesmo interessantes, não são suficientes para fazê-lo superar a média. Anna: O Perigo Tem Nome é um filme honesto de espionagem. Uma diversão justa que consegue distrair o público já acostumado com o gênero. Não espere um Hitchcock ou um Kubrick, mas sim o que ele é, um Besson. Uma obra que vale ser vista, porém sem grandes expectativas.