Há uma teoria que defende a existência de dois amores: o amor DA sua vida e o amor PARA a sua vida. O primeiro deixa marcas para a vida inteira, o segundo é capaz de criar novas experiências, deixar novas marcas, mas nunca curar e apagar as antigas. A união com o amor da sua vida raramente será completa, apesar disso, o breve instante em que existiu o sentimento é capaz de ser reverberado por toda a existência e de tornar-se um episódio de entornos místicos, justamente por sua transitoriedade e por ser apenas uma possibilidade não concretizada. Ambos são possíveis e coexistem sem necessariamente entrar em conflito.
Selecionado para a competição de Cannes 2018 e abrindo a edição do INDIE Festival deste ano, Asako I & II, de Ryusuke Hamaguchi, estrutura essa utopia do encontro que tem o tempo como seu principal aliado. A personagem principal, Asako (Erika Karata), vive duas vidas alternativas: a real e estável com seu namorado Ryohei (Masahiro Higashide) e a idealizada a partir de seu primeiro amor de adolescência Baku, de personalidade completamente diferente do primeiro, porém, interpretado pelo mesmo ator. Essas duas vidas coexistem em seu inconsciente, daí temos o I e II do título.
Vemos o filme na angústia de que em algum momento essas duas vidas se chocarão, e Ryusuke estrutura a narrativa e a passagem e duração do tempo de maneira a nos deixar apreciar essa tensão, para quando o reencontro finalmente acontecer, estarmos tão completamente imersos, que não conseguimos emitir juízo moral sobre qualquer uma das escolhas de Asako.
O cinema japonês tem comumente essa característica de apreciar a duração das coisas de maneira diferente do cinema ocidental estilo Hollywood, onde tudo precisa ser rápido e simples. Aqui, o diretor narra essa inquietação e essa natureza idílica de um romance quase inalcançável através da celebração do cotidiano e suas relações, utilizando o acaso como mote para o drama.
É simbólica a escolha de um mesmo ator para interpretar os dois amores da vida de Asako, pois, a partir disso, nos questionamos até que ponto os amores passados pautam nossas relações presentes e até que ponto nos assombram. Asako e Ryohei têm plena consciência, ainda que velada, de quem em algum momento o fantasma de Baku reaparecerá para desestabilizar esse relacionamento estável que construíram e, quando finalmente o reencontro acontece, nem nós espectadores, nem as personagens conseguem permanecer indiferentes.
Ao final, quando consegue fazer sua escolha – até então definitiva – ela olha para o rio junto com o companheiro que escolheu e enquanto um diz que ele é sujo, o outro diz que é bonito. A resolução final a este embate pertence aos espectadores, mas assim como o final de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Michel Gondry, 2004) é um pacto de aceitação de um relacionamento problemático, mas que é real e, portanto, finito. O rio pode ser sujo e bonito ao mesmo tempo, mas ainda que seja ou não seja nada disso, ele vai seguir seu curso.
*Crítica publicada como parte da cobertura da 12° Edição do INDIE Festival.