Certamente, assim como não existe um jeito certo de fazer um filme, não existe um jeito certo de contar uma história baseada em fatos. Entretanto, arrisco dizer que A Rede Social (2010), ao contar sobre a criação do Facebook alterou o parâmetro de produções sobre a história recente. Dirigido por David Fincher com o roteiro de Aaron Sorkin, a produção não concentrou a atenção apenas no personagem de Mark Zuckerberg, mas antes de tudo, o que atualmente faz as pessoas, principalmente os mais jovens, faturarem milhões e saírem em capas de revistas: ideias. Se anteriormente itens físicos como o personal computer (PC) ou o Ipod eram o que dava grandes fortunas aos seus criadores, agora, coisas que sequer existem fisicamente, como os aplicativos, são o que gera receita. Visto isso, a Rede Social tratou do assunto com muita intensidade, mostrando o quanto era importante e valioso para jovens estudantes universitários criar algo do tipo que não somente os transformassem em milionários, mas tivessem seus nomes reconhecidos por aí.
O diretor Adam McKay parece ter aprendido a lição e aplicou a mesma coisa em A Grande Aposta (2015), em que divide o roteiro com Charles Randolph baseado no livro de Michael Lewis e em Vice (2018), que é roteirizado por ele próprio. Os dois filmes têm ideias potencializadas nos roteiros. Em A Grande Aposta investimentos no ramo imobiliário levam a um efeito dominó que vai ter reflexo em diversas partes do mundo e dar início a uma crise econômica. A produção mostra então como diferentes pessoas reagiram e tiveram relação com esse momento. Já em Vice, entendemos como um personagem que geralmente é visto apenas como figurativo, resolveu tentar se destacar e ter uma influência maior que o usual no governo dos Estados Unidos. E isso acontece justamente no governo de George W. Bush, em que tivemos um dos maiores eventos da história atual que foram os ataques às torres gêmeas no dia 11 de setembro de 2001.
Diferente dos três exemplos citados, Casa Gucci (2021) tem como grande calcanhar de Aquiles justamente nos fazer importar e entender a grandeza da marca Gucci. Enquanto A Rede Social e A Grande Aposta, nos mostra ideias que valem milhões e Vice sobre como uma figura até então sem crédito aparente conseguiu afetar os rumos políticos e econômicos, Casa Gucci peca em não construir a relevância da marca para o mercado da moda. Tudo fica apenas nas entrelinhas. A não ser que você entenda e tenha interesse sobre o universo de vestuários, Gucci é somente mais uma marca de roupas caras e que sempre vemos uma famosa usando por aí. Mas e para o público leigo (assim como eu)? Eu entrei e saí do filme sem saber qual a real relevância da Gucci para o mundo.
Casa Gucci aposta que o público geral entende e tem até certo conhecimento sobre a grandeza da marca e o que justificaria a admiração / interesse de Patrizia (Lady Gaga) em Maurizio Gucci (Adam Driver) e tudo mais o que está envolvido. Outras coisas como as preocupações de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons) sobre quem o sucederá na liderança da sua empresa, as reais intenções de Patrizia com seu filho ou então a vontade de Paolo Gucci (Jared Leto) em se tornar um estilista da marca e a relutância da família em aceitá-lo como tal. A falta de construir a nossa relação com a marca e seus produtos faz com que os rumos da história se torne uma espécie de “Casos de Família” em que não faz diferença o filme ter o nome que tem. Poderia mesmo ser uma padaria do bairro que o efeito seria o mesmo.
Além disso, o roteiro insiste em ser extenso demais. Ainda que não fique algo enfadonho e difícil de ver, a sensação é de sempre ficar esperando que algo de interessante realmente aconteça, algum fator complicador ou algo do tipo. Um exemplo, em determinado momento, Patrizia descobre que estão falsificando a marca e vendendo cópias em mercados populares. Ela vai até lá, compra algumas, leva para casa e tem toda uma discussão com os demais membros da família mas, como sempre, é vista como alienígena sobre o fato. Ficamos esperando que isso tenha alguma relevância para o desenrolar do filme, mas não tem. Se a ideia aqui era mostrar que ela gostaria de contribuir para os rumos da empresa e que a marca como muito importante, isso já havia sido feito em diversos outros momentos. A cena poderia ter sido excluída facilmente que não faria a menor falta. Ajudaria a enxugar ao menos um pouco das quase três horas de duração do longa.
Ridley Scott que também lançou O Último Duelo (2021), que apesar de ser muito bom não foi muito visto, no mesmo ano de Casa Gucci, não conseguiu emplacar tanto quanto Fincher e McKay em sua história. E ele ainda contava com um grande chamariz de público que é a cantora e atriz Lady Gaga. Ela até fez um trabalho interessante mas não foi o suficiente. Dou destaque maior para Al Pacino (tá, eu sei que é meio covardia comparar ele com a Gaga), que interpreta o papel de Aldo Gucci e que cai muito bem para a idade que ele tem atualmente e faz um velhinho espirituoso. Letto até tenta ser um personagem excêntrico, mas consegue apenas ser caricato e com uma caracterização pesada. Quem não sabe que é ele vai ficar olhando e pensando “conheço esse ator de algum lugar. Mas de onde? ”.
Com isso, apesar de ter um diretor carimbado e tão conhecido como Ridley Scott, Casa Gucci, não conseguiu emplacar. O filme parece carecer de novas ideias que já circulam no cinema há algum tempo. Se contenta basicamente em contar a história de uma família problemática e que envolve muito dinheiro. O que é estranho, visto que em O Último Duelo, Scott conseguiu, apesar de ser uma história medieval, trazer um certo frescor. Talvez carecesse de um roteiro melhor, mais moderno para contar a história de forma mais eficiente e aproveitar de fato a presença de Lady Gaga, não tanto por seu trabalho de atriz, mas, principalmente, pela quantidade de fãs envolvidos e as possibilidades que isso possa trazer. Talvez a grande lição é fazer com que nós espectadores nos importássemos com o motivo das disputas, que no caso é a marca Gucci. Assim como um filme que não damos a mínima para um personagem nos faltará interesse se não tivermos no mínimo empatia pela marca.