Foi em 1976, com Rocky: Um Lutador, que o mundo conheceu o destemido, abobalhado, mas de coração grande, Rocky Balboa, personagem mais icônico da carreira de Sylvester Stallone. 43 anos se passaram, foram mais cinco filmes protagonizados por Rocky (numa série bastante irregular, diga-se de passagem) para que o universo de Balboa tivesse seu protagonismo transferido para Adonis Creed, filho do oponente e posteriormente amigo de Rocky, Apollo.
O que poderia ser mais uma tentativa de faturar na série, Creed surpreendeu por trazer um fôlego para a série que parecia desgastada, numa história emocionante e empolgante na mesma medida e que alavancou a carreira do diretor Ryan Coogler (Pantera Negra) e dos atores Michael B. Jordan e Tessa Thompson.
A continuação da série, como esperado, é focada em Adonis. Numa premissa que muitos previram acontecer e que, pessoalmente, tive certo receio por depender de personagens e situações que nasceram em Rocky IV (que, para mim, é um dos filmes mais fracos da série),a história se inicia logo que Adonis conquista o cinturão dos campeões de peso-pesado e decide levar seu relacionamento com Bianca (Thompson) para outro patamar. Porém, numa tentativa de chamar a atenção da mídia e sair do ostracismo, Viktor Drago (Munteanu) o desafia para uma luta. Filho de Ivan Drago (Lundgren), responsável por matar Apollo Creed em uma luta, ele se revela um oponente bastante perigoso e que relembra traumas em Adonis e complica seu relacionamento com Bianca e sua amizade com Rocky.
Em Rocky IV, a disputa entre Balboa e Drago era uma alusão muito óbvia e caricata da disputa ideológica travada entre os EUA e a URSS no período da Guerra Fria, onde Drago era nada mais do que “uma máquina” dos soviéticos para derrotar os EUA. Com falas robóticas e gestos duros, o personagem de Dolph Lundgren não passava disso.
É ousado que Creed II comece com uma sequência bastante sucinta e sem diálogos com a rotina de Viktor e Ivan Drago, em um lugar frio e acinzentado na Ucrânia. O que nos revela como Ivan teve sua vida arruinada depois da derrota por Rocky e que este foi abandonado pelo próprio país. Enxergando em Viktor uma esperança de recuperar o brilho, ele o treina e o trata de maneira severa e rígida.
Ao iniciar o filme já desconstruindo a caricatura que era Ivan, Creed II não só permite ficarmos próximos dos personagens e das situações que vivem, como humaniza e desenvolve seus antagonistas sem que soem completamente como caricaturas. Eles ainda são dois grandalhões de poucas palavras, mas o investimento do roteiro nos dois causa empatia e certo entendimento das motivações ali presentes.
Porém, a estrela realmente se trata do personagem vivido por Michael B. Jordan. Agora sabendo entender melhor seus sentimentos, ele parece carregar algum tipo de honra que deve ao pai (algo muito bem estabelecido num belíssimo plano onde Adonis está em um ginásio com um enorme desenho de Apolo acima dele). Jordan consegue externalizar o carinho e valor da posição que atingiu (como campeão e como parceiro de Bianca), mas também estampar insatisfação (como o gemido de descontentamento ao ver um vídeo do adversário).
Já Thompson faz de Bianca uma mulher de forte apreço por Creed e que o contesta sem medo quando discorda das decisões que toma, revelando preocupação genuína e coragem. Jamais negligenciando sua paixão por cantar em prol da carreira de Adonis, Bianca é um ponto de apoio para ele, mas jamais se definindo apenas por isso.
E então chegamos ao trabalho de Stallone, um ator que sempre achei subestimado e que interpreta Rocky mais uma vez com a emoção e o carisma de sempre. Conhecendo a essência do seu personagem de olhos fechados, são nítidos os gestos e as falas brutas, mas denotando uma afeição para os que restaram ao seu redor. Embora seu arco seja o menos aproveitado e pareça estar ali apenas para complementar o arco pessoal de Adonis, sua participação traz bons momentos de um grande ator.
A direção de Steven Caple Jr. não é tão sofisticada quanto a de Coogler, que apostava em planos sequências elaborados, mas consegue imprimir beleza nas cenas dramáticas, contextualizando o tumulto emocional vivido pelo protagonista. Embora não articule de maneira especial as cenas de luta, ainda se trata de um cineasta correto nesse sentido.
Acertando no desenvolvimento dos personagens, o roteiro escrito pelo próprio Stallone e por Juel Taylor às vezes soa verborrágico demais, ao trazer quase todas as informações em falas, como os narradores das lutas. Embora crie uma noção de Adonis estar sendo observado e pressionado pelo mundo todo, o elemento abusa demais de repetir mensagens já explanadas.
Embora tenha resoluções também previsíveis e um roteiro que escorrega também na facilidade que certos personagens têm de mudar de ideia, a narrativa se sustenta pelo envolvimento emocional com os fantásticos personagens. Creed IIainda se trata de mais um belo exemplar dessa série, que tomou novo fôlego para golpear o coração dos fãs tanto de Rocky quanto de Adonis Creed.