Os anos 1980 e 1990 foram marcados por comédias desbocadas que faziam piadas racistas e que nunca poderiam vir à público hoje. Um dos exemplos mais polêmicos é Uma Escola Muito Louca (1986), onde um estudante branco faz uso da famigerada blackface para entrar na faculdade pelo sistema de cotas. Esse nonsense ofensivo foi drasticamente diminuído ao longo dos anos, à medida em que a sociedade percebeu que é possível fazer humor sem ofender determinada raça, gênero ou tribo. Entretanto, vira e mexe algum título pisa fora da linha e acaba pesando a mão nas piadas.
Esse é o caso em De Carona para o Amor, longa de estreia do ator Franck Dubosc na função de diretor. Na trama, acompanhamos Jocelyn (Dubosc), um empresário de meia idade bem-sucedido e mulherengo. Após a morte da mãe, ele vai ao apartamento da matriarca para coletar alguns objetos e lá conhece Julie (Caroline Anglade), a vizinha cuidadora de cadeirantes. Para conquista-la Jocelyn se passa por um paraplégico, mas é mal interpretado por Julie que o apresenta à sua irmã Florence (Alexandra Lamy). Esta, por sua vez, vive numa cadeira de rodas e é forçada a participar de encontro às cegas com o protagonista. A partir daí, vemos Jocelyn viver uma série de situações cômicas, todas elas derivadas de suas decisões infelizes. Durante todo o caminho ele conta com a ajuda de sua assistente Marie (Elsa Zylberstein) e de seu melhor amigo, Max (Gérard Darmon).
Entre os problemas da trama está a construção de personagens. As figuras dramáticas como um todo se apresentam rasas e monotemáticas. Jocelyn, por exemplo, é a clara personificação do bon vivant francês, com características machistas e misóginas. Cheio de preconceitos, o empresário possui um distanciamento emocional de seus sentimentos e dos problemas reais da vida de pessoas comuns. Não satisfeito em cometer o disparate de se passar por cadeirante, ele se mantém no erro e agrava a situação cada vez mais por brincar com os sentimentos de Florence.
Esta se mostra uma mulher inteligente, dedicada e moderna, que consegue levar uma vida dupla atuando como jogadora de tênis e violinista de uma orquestra renomada. Ela também é irrealmente bela e atende a todos os padrões de beleza instituídos: branca, loira e magra. O longa brinca com essa beleza de maneira canhestra e retrata outros deficientes como pessoas feias e esquisitonas. Entretanto, o maior problema de Florence está em sua motivação. Mesmo tão bem resolvida, o filme insiste em rebaixá-la, pintando-a como solitária. Isso se torna uma desculpa para que ela não consiga encontrar um parceiro melhor e aceite as mentiras de Jocelyn. Os demais coadjuvantes são esquecíveis e aparentam pouco ou nenhum desenvolvimento dentro de seus papéis arquetípicos.
Com um roteiro previsível, o longa não apresenta nenhuma inovação na cartilha das comédias românticas. O incidente incitante é frágil e toda a trama se sustenta em justificativas parcas. Como esperado, o protagonista não consegue sair da rede de confusões armada por ele mesmo e termina por ter sua mentira revelada. Em meio ao dilema de “como contar a verdade” assistimos a cenas de humor forçadas e preconceituosas. Para completar, o espectador tem sua inteligência desafiada ao assistir sequências clichês e irreais. Como exemplo vale citar a forçadíssimo momento onde o empresário reflete sobre seus erros, toda a situação que se passa na cidade de Lourdes e o final pavoroso da maratona. Nem os movimentos de câmera escapam e seguem a misoginia de Jocelyn, sempre enfocando o corpo das mulheres de maneira estritamente sexual.
Ainda que o humor aconteça em alguns momentos e o espectador chegue a dar risadas, ao analisarmos bem a situação o riso murcha de imediato. O roteiro possui várias pontas soltas e manda o público para casa com perguntas não respondidas. O personagem de Jocelyn não convence nem cria empatia, pelo contrário, suas atitudes machistas apenas servem para afastar as pessoas. Em sua primeira aventura na função de diretor, Franck Dubosc demonstra que ainda tem muito o que aprender, em especial no que diz respeito ao humor. Diferente dos anos 1980, um número muito maior de pessoas tem lugar de fala e com certeza sai ofendido ao ver situações sérias banalmente transformadas em engraçadinhas. O intuito aqui não é problematizar o cinema, mas sim pregar o respeito e exigir que a sétima arte auxilie na construção de um mundo mais plural e menos preconceituoso. Seria isso pedir muito?