Abrindo o Festival do Rio Online em parceria com o Telecine está o filme que ganhou o BAFTA de Melhor Filme em Língua Não Inglesa, o prêmio de Melhor Filme no European Awards e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2020, Druk – Mais Uma Rodada.
A última empreitada do cineasta Thomas Vinterberg foge de tudo que o tornou conhecido com o filme Festa de Família (1999), que marcou o início do movimento Dogma 95, o manifesto escrito pelo próprio Thomas em conjunto com Lars Von Trier sobre, que, num resumo grosseiro, fala sobre uma forma mais autêntica e menos fantasiosa de se fazer cinema.
Druk conta a história de um grupo de amigos professores que, agora adultos e na casa dos 40 anos, percebem que suas vidas são tediosas e eles não conseguem mais motivar seus alunos, ou eles mesmos serem motivados por qualquer coisa – a famosa crise da meia idade.
Na comemoração de aniversário de um deles, o assunto paira sobre o psiquiatra Finn Skårderud. Ele teorizava que quando o ser humano tem sua taxa de álcool no sangue em 0,05% ele se torna mais criativo e extrovertido. Martin (em mais uma performance deslumbrante de Mads Mikkelsen) resolve testar o experimento e, depois de acertarem as regras, os outros 3 amigos também resolveram aderir.
As regras eram simples: nunca deixar sua taxa de álcool no sangue abaixo de 0,05% e não beber após as 20hrs. E é claro que isso tudo dá errado eventualmente.
O que mais me impressionou no filme, além do simples fato do diretor rejeitar cada vez mais e mais a ideia do Dogma 95 que ele acreditava piedosamente a tempos atrás, é a maneira que ele trata a vontade de se conectar das personagens.
Estamos aqui focando em homens brancos heterossexuais com uma vida boa. Todos são professores de uma escola aparentemente bem sucedida em Copenhague, sem problemas evidentes, mas todos eles estão sedentos por conexões verdadeiras.
Seria muito fácil sair atirando a palavra depressão por todos os lados, para justificar os atos que são cometidos, mas eu senti que isso não seria justo com o filme. Ele funciona exatamente por que esses personagens não estão deprimidos, pelo menos não todos. Eles estão chateados e tristes por não serem pessoas mais importantes, por não terem vidas mais excitantes, em resumo, por serem adultos. E adultos têm responsabilidades. E nem tudo na vida de um adulto é simples e fácil e divertido.
Martin e seus amigos, como bons homens brancos com dinheiro, estão entediados.
Quando as coisas se tornam insustentáveis, eles decidem parar com o experimento, mas Tommy se recusa. Ele segue bebendo e agora completamente entregue ao alcoolismo. Não acredito que a ideia do Vinterberg fosse fazer uma crítica ao consumo de álcool – ainda mais quando colocamos a pandemia que estamos vivendo nessa equação – mas ele o coloca em cheque, ainda mais quando sabemos dos eventos de sua vida pessoal.
Em 2019 o diretor perdeu a filha Ida em um acidente de carro e filmou grande parte do filme na escola em que ela estudou, usando seus amigos como personagens no longa.
Os eventos do filme e as suas consequências são pontuadas de maneira engenhosa, culminando na celebração de final de ano dos alunos do terceiro ano do ensino médio comemorando o final desse ciclo, e Martin se junta a eles para comemorar o início da sua segunda chance.
Acredito que o filme funciona exatamente por não se impor demais. Ele não nos fala nada que não sabemos, que o consumo de álcool é ruim e ele pode nos levar a níveis de dependência absurdos e isso pode arruinar não só a nossa vida – como acontece no filme – e a de outras pessoas – assim como aconteceu com o diretor na sua vida pessoal.
Até onde é saudável essa cultura de “uma cervejinha para tirar o estresse” e “uma taça de vinho por dia não faz mal a ninguém”? Quem pode dizer com certeza que não vai se tornar um adicto? E o que isso diz sobre nós, enquanto sociedade, quando normalizamos esses comportamentos que são claramente destrutivos mas nos trazem algumas risadas quando podíamos nos sentar numa mesa de bar?
Já dizia Criolo “um governo que quer acabar com o crack mas não tem moral pra vetar comercial de cerveja”.