Refugiado é todo indivíduo que, devido a alguma perseguição causada por sua religião, raça, nacionalidade, pertencimento a um grupo social ou opinião política, se encontra fora do seu país e, não podendo retornar, é obrigado a procurar um novo lar.
A grande locomoção de refugiados nos últimos anos vem se tornando uma das maiores problemáticas da atualidade chegando a números gigantes anualmente. Um dos dados trazidos neste Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir, documentário dirigido pelo ativista e artista contemporâneo chinês Ai Weiwei, é que não há um deslocamento tão grande de pessoas assim desde a 2ª Guerra Mundial e que o momento em particular em que vivemos é preocupante.
Com um longo plano aéreo revelando um imenso mar onde navega um barco preenchido de refugiados, o documentário vai revelando duas abordagens distintas conforme os dados que apresenta: a mais óbvia, é se tratar de um documentário informacional, contendo inúmeros e abrangentes dados com relação aos refugiados que surgiram com os últimos anos. O outro, mais humano, revela a faceta ativista que Weiwei possui.
Como documentário informativo, Human Flow é absolutamente abrangente: contendo filmagens em todos os pontos mais críticos de refugiados, como Turquia, Paquistão, Líbano e Jordânia, também indo para locais como Europa e até mesmo na fronteira entre o México e os EUA. Fica nítido o trabalho físico de Weiwei e toda equipe de estarem presentes nestes locais e conseguirem as imagens que estão presentes no filme.
Embora contenha sim algumas poucas entrevistas direcionadas a explicar a temática política e social dos refugiados, como quando Weiwei traz a princesa da Jordânia, Dana Firas ou alguém relacionado às Nações Unidas, geralmente, quando há algum diálogo entre o documentarista e o documentado, se trata muito mais de um interesse de Weiwei em saber sobre aquela pessoa do que o posicionamento dela sobre alguma questão.
E é então que entra o segundo aspecto de Human Flow e que o torna marcante, o caráter filantrópico que o cineasta deposita em cada figura que surge em tela. Evitando ao máximo tornar os refugiados meras estatísticas, como em determinado momento em que uma moça diz que sua função é fazer com que aquelas pessoas se sintam seres humanos e não números que entram e saem naquele país, Weiwei a todo instante demonstra uma genuína curiosidade em encontrar em alguém que acaba de chegar a um país ou uma mãe com seu filho e entender sua história de vida e o que a fez chegar até ali.
Constantemente vemos Weiwei interagindo de maneira espirituosa com os refugiados, como quando ele brinca com um sujeito que trocará os passaportes com ele e pergunta quem ele será de agora em diante ou mesmo quando mostra interesse em ver as fotos de gatos no celular de uma senhora. Correndo o risco de soar ególatra por aparecer tanto em cena no seu próprio filme, seu altruísmo é tão evidente em seu sorriso e seus gestos que nos convence de suas intenções aqui.
Graças a esse tom humanitário, consegue evocar a proporção preocupante que toda aquela situação transpõe, assim como o faz também como linguagem cinematográfica, ao trazer sempre planos aéreos onde as pessoas só aparentam serem pontos pequenos que percorrem a tela ou quando mostra longas filas humanas para conseguirem algum tipo de atendimento. Weiwei demonstra um apuro estético impressionante ao criar enquadramentos belíssimos que evocam muito mais informações do que vários dos letreiros que contém dados ou citações de poemas (que funcionam sim, mas não permite que a força das imagens sozinha se potencialize).
E por conta da quantidade de locações belamente filmadas e a calculada estrutura narrativa que concebe, indo de local a local e contando suas particularidades com calma, o cineasta imprime o sentimento mais nítido diante de todas aquelas figuras, em que determinado momento, em uma tenda, filma elas apenas olhando diretamente para a câmera, paradas, que é a sensação de não pertencimento, de estarem em busca de lugar para se sentirem seguras e chamarem de seu.
Com sua câmera, Weiwei cria uma conexão absolutamente forte de empatia e respeito diante de todos os refugiados que vão surgindo durante o filme, apenas ao dedicar alguns segundos falando com alguns deles ou mesmo quando, em um plano aberto, surgem algumas crianças fazendo caretas e sorrindo diretamente para a câmera. É um exercício de empatia que o cineasta opera para, junto dos refugiados, que os humaniza tanto dentre milhões que se encontram naquele estado.
Assim, embora não trate de um tema inédito no cinema (não há apenas dezenas de documentários como filmes ficcionais abordando o tema de refugiados), Weiwei tece com delicadeza e humanidade única esse belo e contemplativo retrato sobre as histórias de vida de todas aquelas pessoas e a busca incessante delas de elementos básicos de um ser humano, como segurança, alimentação e saúde, até de encontrarem seus lugares em que se sentem pertencidos no mundo.