Um filme do Godard. E eu podia parar aí mesmo.
Extremamente difícil de descrever, esta obra experimental de Jean-Luc Godard busca contar uma história que leva uma vida inteira para ser contada, a história de mais de um século de cinema e de geopolítica, através da sua conhecida negação da narratividade linear, da saturação das cores e de uma explosão de azul, amarelo e vermelho, como um quadro de Van Gogh.
Imagem e Palavra é exatamente isso, imagens sobrepostas de filmes, vídeos caseiros, obras de arte, reportagens e até desenhos misturadas com palavras que, ora ditam o tema do capítulo, ora aparecem na tela recortadas de seu contexto original, ora nas narrações de Godard, que deliberadamente escolheu omitir a legenda em certos momentos, gerando um incômodo decorrente da não comunicação. A mensagem é transmitida como que pela metade, percepção endossada pelos recorrentes cortes bruscos da trilha sonora.
Nos mostra o surrealismo de O Cão Andaluz de Buñuel, as trapalhadas de Buster Keaton, intercala Monstros com cena sexual, mostra Saló e seu apelo violento, passando por Um Corpo que Cai e Marlene Dietrich. A imagem, neste sentido, é também violência e ao intercalar cenas de filmes clássicos, que já fazem parte do imaginário cinematográfico, o diretor as usa para criticar e escancarar a realidade da guerra. Conta uma história de violência, do começo do século até a atualidade, Oriente e Ocidente, incluindo o terceiro ato, voltado ao mundo árabe.
Sua colagem remete à ideia de unidade e causa e consequência entre as atitudes dos cidadãos e seus governos. Denuncia a partir disso, a ascensão de ideologia de extrema direita em todo o mundo e o fato de isso ter a ver também com os cidadãos que abrem espaço, prazerosamente, para que ela se consolide novamente, mantendo o ciclo da história, em que os acontecimentos se repetem.
Seu desejo de produzir “remakes”, através de montagens por meio de suas mãos, produz a ressignificação dessas imagens e, do auge de seus 87 anos, Godard segue sendo provocativo, assim como fez em Adeus à Linguagem e Filme Socialismo, não apela pela linearidade, ele apela aos sentidos. Para ele, “a guerra está aqui” e não há como ver o filme e permanecer inerte, ileso, há vibração, vivacidade, violência e confusão, de forma que te faça permanecer em silêncio, sentado na sala do cinema, esperando a utopia do término de uma experiência que, para além dos sentidos, não sabemos muito bem o que é.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.