Entra ano, sai ano e uma coisa é certa: em dezembro tem filme de Natal novo chegando e parte desses filmes são animações. Em 2019 não foi diferente – e que bom! Tentando abraçar essa fatia do mercado, a Netflix decidiu que a época natalina era o período ideal para lançar seu primeiro longa de animação,  Klaus. Dirigido pelo espanhol Sergio Pablos, confesso que estava com o pé atrás até ver o trailer. A promessa era de algo inteligente e inovador (dentro do que se pode inovar quando se trata de um tema já tão explorado) e, posso dizer, o serviço de streaming entregou mais do que o esperado e fez com que o longa ganhasse um lugar especial no meu coração, bem ao lado de A Origem dos Guardiões.

A narrativa é centrada em dois personagens. Jasper (Rodrigo Santoro), um acomodado e tranquilão aprendiz do serviço de correios, e aquele que dá nome ao filme, Klaus (Daniel Boaventura), um senhor recluso e misterioso. O caminho de ambos se junta quando Jasper é enviado à triste e violenta cidadezinha de Smeerensburg, um lugar onde a rivalidade ancestral entre os clãs Krum e Ellingboes impede que qualquer sentimento positivo exista na ilha. Com a missão de abrir uma agência de correios e entregar seis mil cartas em um ano para não perder a herança, Jasper precisa encontrar uma maneira de resolver seu problema para poder sair dali.

Não é preciso muito tempo de filme para compreender que a história é sobre a lenda do Papai Noel. Porém, nada é apresentado de uma forma convencional ou clichê, e o papel do próprio Klaus, apesar de servir como pano de fundo para a narrativa, acaba se mesclando com o de outros personagens que vão pouco a pouco surgindo. De uma forma inteligente, o roteiro é ágil em inserir cada elemento da lenda (a entrada pela chaminé, a ideia de deixar leite e biscoitos para o bom velhinho, a lista de quem foi bom e quem foi mau, a risada, as renas voadoras) à sua própria maneira, fazendo com que pareçam detalhes dentro de algo maior. E, de fato, são mesmo.

O que encanta mesmo em Klaus não é o aspecto natalino, mas a honestidade com que retrata a vida dessas pessoas – isoladas e deprimidas – e o caráter de cada um de seus personagens. Jasper não é a pessoa mais confiável do mundo e inicia essa jornada em busca dos próprios interesses, Klaus guarda feridas do passado que justificam seu afastamento do mundo, as pessoas da ilha têm suas próprias tristezas e lutas diárias. Pouco a pouco, após uma série de coincidências e mal-entendidos, essa dupla improvável dá início a uma reação em cadeia no local, trazendo o que ele pode ter de bom e provocando mudanças.

É interessante ver como os membros centrais de cada clã – um deles, aliás, uma senhorinha que quebra qualquer estereótipo de vovó doce e gentil – se sente ameaçado por essa transformação e tenta a todo custo impedi-la, mostrando como as partes mais privilegiadas de uma sociedade terão como reação se opor ao que é novo e como tradições não são necessariamente o melhor. É também legal observar como as personagens femininas rompem determinados padrões. Exemplo disso é Alva (Fernanda Vasconcellos), uma jovem professora que foi para Smeerensburg com o sonho de ensinar na escola e se vê desiludida ao compreender que as famílias jamais deixariam seus filhos estudarem com membros do clã oposto. Presa no lugar, ela encontra uma maneira de se ajustar à situação e batalhar para conseguir sair dali.

Outro personagem bastante interessante e que desenvolve um pequeno arco quase inesperado é a Pimpolho. Em sua primeira aparição, tudo leva a crer que ela será de determinada maneira e, ao final, de uma forma sutil, rompe com certas barreiras de gênero. Sua voz é grossa, seu aspecto é considerado masculino e sua força a torna a maior arma de sua família. Ainda que brevemente, ao fazer isso Klaus dá um pequeno passo a mais na direção de animações infantis mais diversificadas e fora das caixinhas impostas pela sociedade.

Uma curiosidade: para construir a Smeerensburg fictícia, Pablos baseou-se na Smeerensburg real, uma assentamento – hoje abandonado, mas muito utilizado no século XVII por dinamarqueses e neerlandeses para a pesca de baleia – localizado no arquipélago norueguês de Svalbard. Margú, a garotinha sami cuja língua ninguém entende e aparece desde o princípio com cores vibrantes e destoantes, foi inspirada no povo lapón e dublada por uma jovem falante da língua lapona. A ausência de legendas, aliás, foi pensada justamente para reforçar o choque cultural.

As relações humanas, os laços que surgem pouco a pouco, a mudança de cada personagem e, claro, a história do próprio Klaus fazem com que o filme vá conquistando e envolvendo o espectador. Visualmente, o longa é um deleite. Com traços feitos à mão, a obra remete às animações 2D e traz um encanto todo próprio. As cores, que vão saindo de tons acinzentados e frios para tons mais quentes, acompanham o roteiro e as mudanças dos personagens. Não à toa, a indicação ao Oscar de Melhor Animação veio.

 

Klaus

Klaus

Ano: 2019
Direção: Sergio Pablos, Carlos Martínez López
Roteiro: Sergio Pablos, Jim Mahoney, Zach Lewis
Elenco principal: Rodrigo Santoro, Daniel Boaventura, Fernanda Vasconcellos
Gênero: ​Animação, Comédia, Aventura
Nacionalidade: Reino Unido, Espanha

Avaliação Geral: 5