Em um futuro não muito distante, Logan (Hugh Jackman) já não é mais o super-herói que costumava ser. Ele deixou de lado a vida como Wolverine e seus poderes de regeneração não são mais os mesmos. Agora, vive isolado em uma espécie de bunker, em uma região dos Estados Unidos próxima ao México, tomando conta do debilitado Professor Xavier (Patrick Stewart). Verdadeiro retrato da decadência física e emocional, Logan se tornou apenas um cara comum, um alcoólatra que sofre para ganhar a vida como motorista de limusine. Tudo o que ele quer é ser deixado em paz.
O futuro retratado na história não é muito animador para os mutantes, em geral. Os X-Men deixaram de existir e os poucos sobreviventes se dispersaram. Há pelo menos duas décadas não se registra o nascimento de crianças com poderes ou mutações. Ironicamente, nesse contexto, os mutantes tiveram seus dias de glória apagados e se tornaram meros personagens de histórias em quadrinhos.
A tentativa de Logan de se esconder do mundo acaba indo por água abaixo quando ele é encontrado por uma jovem mutante, Laura (a impressionante Dafne Keen). Não por coincidência, a menina possui poderes parecidos com os do Wolverine e sabe se virar muito bem em uma luta. Laura precisa chegar a um local na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, mas está fugindo de uma grande corporação que quer fazer experimentos com seu DNA. Muito a contragosto, Logan se torna uma espécie de figura paterna para a garota, em sua jornada rumo ao Eden.
Embora seja uma espécie de road movie, o foco do longa está nos personagens. Laura passa quase toda a história falando apenas espanhol, mas sua intensidade e instinto de sobrevivência são tão contagiantes que é impossível não torcer para que ela alcance seu (talvez ilusório) objetivo. Logo no início, Charles Xavier percebe o que a jovem representa para os mutantes. Mesmo Logan, por mais cínico que seja, acaba vendo nela a possibilidade de um futuro para seus semelhantes, uma frágil esperança em meio a uma realidade sombria.
O filme basicamente se resume a essa perseguição. Logan acompanha Laura, estabelecendo com ela uma relação quase paternal, e acaba tentando protegê-la dos vilões, comandados por Pierce (Boyd Holbrook, um pouco caricato). Charles Xavier vai com eles, mas o personagem é muito diferente do Professor com o qual os fãs dos X-Men estão acostumados: ele não é mais do que um senhor idoso, fraco e confuso, que está perdendo a sanidade e não tem muito controle sobre seus poderes.
Esse sentimento de grandiosidade perdida acompanha toda a linha narrativa do filme. Logan perdeu a vontade de viver e segue adiante apenas porque Charles depende dele. Por um lado, sonha em comprar um barco e velejar sem rumo, mas outra parte dele simplesmente gostaria de estourar o próprio cérebro com uma bala. Nos quinze anos em que Hugh Jackman esteve na pele do personagem, esta é a primeira vez que é possível, para o espectador, identificar-se verdadeiramente com ele.
O mérito do filme está exatamente em humanizar seu protagonista. Nas próprias palavras de Wolverine: “A natureza me fez uma aberração, os homens me fizeram uma arma e Deus me fez durar tempo demais.” Logan não se mostra mais como aquele (anti) herói poderoso e invencível. Ele é só um homem relutante e cansado, que enfrenta problemas reais, como dor, desespero, perda, frustração e envelhecimento. O roteiro, escrito por Scott Frank e Michael Green, junto com o diretor James Mangold, permite amadurecimento e profundidade inéditos ao personagem.
Não se trata apenas da construção de um relacionamento entre Logan e Laura. A pequena mutante também precisa aprender a aceitar seus próprios poderes e a confiar em seus novos amigos, já que teve uma infância extremamente traumática. Trata-se de uma relação que requer empatia de ambos os lados: ainda que muito parecidos, os dois precisam entender suas diferenças e encontrar uma forma de lidar com elas.
Naturalmente, esse formato narrativo não é muito inovador. O herói que não aceita sua missão, que tem o coração amolecido por uma criança e que tenta fugir para um mundo melhor… Todos esses elementos já foram vistos antes. O que Mangold faz é subverter alguns clichês para explorar as complexidades de um personagem que já conquistou o público em filmes anteriores. A história permite que Hugh Jackman mostre um novo lado do Wolverine: um homem que vivenciou incontáveis horrores e que foi responsável por derramar muito sangue, mas que não quer mais participar disso.
Em certo momento, o filme cita o faroeste Os Brutos Também Amam (Shane), de 1953: “Não se pode viver com um assassinato. Não tem como voltar atrás. Certo ou errado, é uma marca. Marcas ficam.” No fundo, Logan se arrepende de muitas coisas e sente que decepcionou as pessoas que amava. Mas quem nunca passou por momentos assim, de dúvida e frustração? Quem nunca se culpou por coisas que já não têm mais volta?
O filme peca em vários aspectos, em especial em algumas cenas previsíveis que antecedem o clímax. No entanto, as sequências de ação são eficientes, bem equilibradas com o drama, e a tensão se apresenta de maneira consistente. A química entre os atores também dá força aos personagens, que conseguem escapar dos retratos rasos a que muitos heróis normalmente são relegados. Mais do que um blockbuster para encher as salas de cinema, Logan é uma digna despedida de um personagem icônico.
Apesar do pessimismo latente na história, o longa permite ao espectador chegar aos créditos com uma sensação de satisfação. É revigorante encontrar alma em um “mero filme de super-herói”, sem aquela preocupação de dar continuidade a inúmeras sequências. A vulnerabilidade do protagonista, de alguém que chega ao final da vida e se questiona sobre suas decisões, é o que torna o filme tocante. A própria essência dos X-Men é de que está tudo bem ser diferente. Logan abraça essas diferenças e se destaca dos outros filmes do gênero justamente por não ter medo de mostrar que, por trás das garras do Wolverine, existe um coração pulsante.