No inconsciente coletivo, o terror/medo é quase sempre associado com escuridão. Afinal, o anseio que a mente constrói de algo que não vemos e só conseguimos imaginar é apavorante. Não é à toa que o recurso é tão utilizado no gênero do horror. Não sabemos imediatamente a fisicalidade da criatura em Alien – O Oitavo Passageio (1979) ou mesmo do animal em Tubarão (1975), justamente porque nossa imaginação monta a imagem mais apavorante possível.
Portanto, é algo impressionante o que o cineasta Ari Aster realiza em seu mais novo trabalho, Midsommar: O Mal Não Espera a Noite. Na história, que lembra muito a temática do clássico O Homem de Palha (1973), a jovem Dani (Pugh) passa por uma grande tragédia familiar, que engatilha mais ainda suas crises de pânico. Num relacionamento desgastado com Christian (Reynor), ela decide aceitar ir a uma viagem com ele e seus amigos até um pequeno povoado na Suécia para prestigiar um festival de verão, onde a luminosidade predomina por quase todas as horas do dia. O que inicialmente parecem tranquilas férias, aos poucos ganha contornos assustadores.
Depois de seu badalado Hereditário (2018), Aster se concentra em retirar mais um sentimento de temor e ansiedade constante, ao invés de apostar nos infames jump scares. Afinal, por ser uma história que se passa justamente num local onde só a luz do sol predomina, como criar uma atmosfera de medo?
O diretor cria possivelmente um dos lugares mais paradisíacos possíveis, com flores e cores saturadas, luzes vindas de todos os lugares. É curioso como é da beleza exacerbada que o diretor retira uma tensão absurda, onde a qualquer momento algo está prestes a dar muito errado.
Seja pela asfixiante trilha sonora que contraria a harmonia visual, ao ter um peso angustiante que inquieta qualquer um, ou seus enquadramentos atípicos que criam uma desordem naquele ambiente. No momento em que retrata personagens sob efeitos de drogas, os detalhes pequenos das árvores ou das flores se mexendo de forma sutil, mas ainda sim estranha, imergem o espectador naquela viagem infernal que os personagens vivem.
Poucos filmes retrataram com fidedignidade a depressão e a ansiedade quanto esse Midsommar: O Mal Não Espera a Noite. A forma como a câmera observa a protagonista chorar e respirar com dificuldade causa um desconforto enorme em quem vê, traduzindo o pesadelo e terror que é ter uma crise daquelas.
Muito disso, claro, é resultado da grande performance de Florence Pugh, que usa de uma expressividade ímpar para retratar o terror que é ter depressão e ansiedade. Como dito acima, quase nada é mais assustador que nossa mente e Aster parece interessado em muitos momentos não em causar o horror, mas repassar o sentimento de aflição completa que é sofrer dessas doenças e que são vividas pela protagonista de forma nítida.
Afinal, o estado psicológico de Dani é facilmente retratado na fotografia acinzentada e sem vida do início do filme, até o momento em que adentram o povoado e a câmera literalmente vira de cabeça pra baixo para mostrar a inversão de valores que viverão ali. Mesmo em um lugar que parece cada vez mais assustador, é ali que Dani passa a ganhar algum tipo de consolo.
Chocando ao abruptamente evidenciar o gore com todos os seus detalhes, o roteiro de Aster é funcional ao tecer a crescente tensão, embora tenha algumas barrigas, que são quase por encanto narcísico do cineasta pelas imagens que concebe ali.
Apesar disso, Midsommar é um terror composto quase sempre de imagens belíssimas e que extrai o medo dos lugares mais assustadores possíveis, que são as mentes e traumas de seus personagens.