A Argélia, país do norte da África, vive desde 2019 um cenário de efervescência política. Em meio a escândalos de corrupção, alta taxa de desemprego e inflação elevada (alô Brasil), o estopim das manifestações populares foi a candidatura à reeleição para um quinto mandato do então presidente Abdelaziz Bouteflika. A partir de fevereiro de 2019 a população argelina passou a ir às ruas semanalmente para demandar mudanças urgentes no governo.
É diante desse momento de ebulição social que o cineasta cearense (de ascendência argelina) Karim Aïnouz desembarca na capital, Algiers, para realizar um filme autobiográfico que traça as origens de sua família. Ao se deparar com tal movimento político, Aïnouz decide mudar os planos e acompanhar por 24 horas a jovem ativista Nardjes durante a manifestação ocorrida no Dia Internacional das Mulheres.
Bastante tradicional na forma, o documentário cola a câmera em Nardjes, que empresta nome ao título, para apresentar o contexto sócio-político da Argélia. Aos poucos, descobrimos mais sobre a protagonista graças a seus depoimentos ocasionais. Integrante de uma família com histórico atuante em manifestações sociais, Nardjes revela um patriotismo pulsante. Deparada com oportunidades para mudar do país, ela decidiu ficar e lutar por uma nação melhor para todos.
Com a experiência adquirida na história recente do Brasil, é impossível não lembrarmos das jornadas de 2013 ao vermos a população argelina demandando uma existência digna. E quando me refiro aos movimentos populares brasileiros, são aqueles primeiros liderados por jovens, não a máquina conservadora do antipetismo que veio em seguida. Os levantes na Argélia também são capitaneados por jovens que de dia lutam por justiça e liberdade, mas a noite festejam a vida. Nesse sentido, Nardjes A é muito mais um documentário sobre o potencial contido na nova geração do que uma imersão na situação da Argélia.
Entretanto, ao longo do filme, essa escolha se torna um obstáculo. Por acompanhar apenas um dia na vida da ativista, Nardjes A tem cenas um tanto repetitivas que prejudicam o ritmo. O mar de pessoas vestidas nas cores da bandeira argelina aos poucos perde o impacto devido à superexposição. Não mergulhamos a fundo nos melindres políticos e tampouco na vida da personagem, o que gera uma relação superficial do espectador com a narrativa.
Gravado em celular, uma vez que câmeras maiores eram proibidas nas manifestações, o estilo de Aïnouz nos coloca irremediavelmente no centro da ação. Ainda que exista uma distância emocional entre o público e a história, a inquietação e raiva da população argelina são potentes. Esses sentimentos se revelam em povos ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Por tais paralelos torna-se evidente a mensagem do diretor para sua terra natal: o quanto ainda precisaremos aguentar para nos insurgirmos?
*Esta crítica faz parte da cobertura do Cinemascope da 9ª Edição do Festival Olhar de Cinema