Por Sttela Vasco

É natural que um filme que tenha a poesia como centro, que tudo ao seu redor seja um tanto subjetivo. Logo, não há susto ao ver que Paterson, mais recente filme de Jim Jarmusch (Amantes Eternos) que causou frisson no Festival de Cannes deste ano, segue tal caminho. Evitando o clichê do poeta boêmio ou intelectualizado, ele tem como protagonista um motorista de ônibus que vê no cotidiano inspiração para seus poemas. A premissa é boa e funciona até certo ponto. Porém, tão preocupado em retratar tais sutilezas e “pequenas belezas”, o longa, assim como seu personagem, se torna cada vez mais inexpressivo conforme avança e vai, aos poucos, se distanciando do espectador. Com uma boa qualidade técnica, a obra deixa a desejar, fazendo com que fiquemos com a sensação de que algo muito belo quase aconteceu ali. Quase.

Paterson (Adam Driver) é um motorista de ônibus na pequena cidade de Paterson, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Enquanto segue o mesmo caminho todos os dias, Paterson vai analisando a vida na cidade e escrevendo poesias. Entre uma ida ao bar e outra, ele descobre um pouco mais sobre aqueles com quem se encontra e os transforma em literatura.

A premissa do filme é muito interessante. Acompanhamos, literalmente, uma semana na vida de Paterson e vemos suas – poucas – interações dia após dia. Sua relação com a namorada, Laura, com que vive junto, com Marvin, seu cachorro, que é tão parte da narrativa quanto o casal, os conhecidos que encontra no bar toda a noite. É fácil que o espectador se veja em algum momento do cotidiano desse rapaz. Afinal, Paterson tem uma vida comum: levanta pontualmente a mesma hora todos os dias, toma o mesmo café da manhã, sai para trabalhar, volta, passeia com Marvin, dá um pulo no bar, conversa com alguns frequentadores e conhece parte de suas histórias, volta para a casa e recomeça tudo no dia seguinte. Em meio a isso, poesias que vão surgindo conforme tal rotina acontece.

A ideia central é bastante óbvia: o que seria mais poético do que as banalidades do dia a dia? As conversas que ouvimos, os estranhos que encontramos, tudo, se apurado pelo olhar certo, contém poesia. E é isso que Paterson filtra e coloca no papel mais tarde. As pequenas sutilezas da vida, os detalhes, transformados em algo mais. Na teoria é bom. Na prática, nem tanto. Escondidas por trás de uma caligrafia bonita e textos cheios de metáforas, está uma história que não se sustenta, começando do nada e indo a lugar algum, e personagens que, apesar de simpáticos, não cativam e nem causam comoção. Rotinas vazias traduzidas por palavras vazias decoradas e postas, na voz serena de Driver, como algo subjetivo, melancólico e novo.

O ritmo, por vezes excessivamente lento, não é o que incomoda, a rotina de Paterson o obriga a ser assim, faz sentido para a história. O que realmente incomoda é perceber que por trás de tanta sutileza, há um grande vazio. As pequenas interações humanas estão presentes, mas não cativam. Por outro lado, visualmente, o longa é excepcional. A fotografia se mostra muito boa, principalmente em seus planos abertos, revelando uma cidade que mescla ares de interior com uma cara de bairro industrial, e nos momentos em que Paterson se encontra dentro do ônibus, observando a vida pelos espelhos retrovisores. Os alívios cômicos – muitas vezes protagonizados pelo cachorro – são divertidos e rompem com a monotonia na qual o roteiro por vezes cai. É fato que Paterson tem seus bons momentos, que conseguem capturar a atenção e entreter, quase fazendo com que você realmente se sinta parte do cotidiano desse jovem poeta e passe a se interessar mais por ele.

É difícil aceitar, porém, o que o filme faz com sua principal personagem feminina e com uma atriz como Golshifteh Farahani. Laura é mais um dos vários clichês utilizados para retratar figuras femininas no cinema e que em muito lembra, como já citou um colega em outra crítica, as manic pixie dream girls. Aquelas garotas sempre sorridentes, um pouco lunáticas, que parecem viver em um universo particular, com inclinações artísticas que não chegam a ser profissão e que são um apoio para seu par romântico. Com voz e jeito mansos, cheia de talentos, mas sem muita direção na vida, Laura passa o longa todo pintando, cozinhando cupcakes e viajando entre sonhos quase infantis – e que são risíveis até mesmo aos olhos de seu companheiro.

Com esse ar meio musa, meio menina, somos levados a acreditar que ela é isso, uma mulher fofa e única. Porém, olhando além da superfície temos, novamente, uma figura feminina volúvel, pouco expressiva, cuja a maior relevância é ser fonte de inspiração para alguns poemas. Até mesmo quando um dos projetos da personagem triunfa e ela ganha algum dinheiro, tudo fica um tanto patético. Há uma disparidade entre esse casal.  Não são dois artistas em meio a uma rotina comum tentando realizar sonhos distantes. É um poeta e uma mulher quase infantilizada. Se Paterson encontra poesia no cotidiano, Laura é só mais do mesmo. E em tempos em que representação e diversidade na apresentação de personagens femininas são tão debatidos, um projeto de manic pixie se faz totalmente desnecessário.

A sensação que fica é que Paterson tem muito potencial, muita qualidade técnica e visual, mas que, no fim, não conta nada. Talvez fosse essa a intenção do diretor, fazer com que o espectador sinta a monotonia que é o dia a dia desse motorista poeta. Porém, é difícil não sentir que por trás de tantas palavras bonitas e belas imagens falta uma história para rechear o longa. Talvez seja esse o problema da obra. É uma poesia, retrata coisas que geralmente ignoramos, mas não atinge, não envolve, não marca. É aquele poema que até achamos bonito, até nos identificamos, mas que vamos esquecer logo. Já que as palavras são tão fundamentais ao longa, não me vem outra à cabeça para definir a ele e a seu protagonista além de uma: apático.

*Crítica publicada como parte da cobertura da 40° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

paterson Paterson

Ano: 2016

Direção: Jim Jarmusch

Roteiro: Jim Jarmusch

Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani

Gênero: Drama, Comédia

Nacionalidade: Estados Unidos

 

 

Assista ao trailer: