Como se posicionar diante à devastadora crise – política, econômica, social – em que vivemos? De que modo podemos conciliar a monotonia e a alienação cotidiana com novas formas de existência? Pelas Ruas de Paris é um filme que, do começo ao fim, indaga sobre a nossa condição existencial, nos desamarrando das certezas e crenças que gestam nossas vidas.
O filme estreou mundialmente em 22 de fevereiro no Netflix e foi dirigido por Élisabeth Vogler. O enredo parte de uma relação complicada entre Anna (Noémie Schmidt) e o seu namorado, Greg (Grégoire Isvarine). No entanto, longe de centrar a história na tensão do relacionamento em que ambos vivem, o longa parte dessa premissa para detonar questões de natureza existencial que tocam profundamente na razão de ser da vida.
Como de práxis em filmes franceses, vemos a experimentação audiovisual extrapolar o uso convencional da linguagem, demonstrando como forma e conteúdo necessariamente precisam estar alinhados para que se extraia do cinema, a sua real potência. Isso se materializa no modo como a obra, de um lado, problematiza a nossa existência, indagando sobre a essência da vida, nunca esgotando a reflexão, ao contrário, colocando mais e mais perguntas no decorrer do filme. E, de outro lado, por meio de uma filmagem vertiginosa que mais apresenta as reflexões do que narra os acontecimentos, como estamos acostumados.
O conflito central é o de Anna que, vivendo ao lado de Greg, tenta ao máximo problematizar a sua condição existencial. Esse modo desviante do ser da personagem, com crescentes interrogações filosóficas/existenciais, confere à Anna um caráter de outsider. Isso se corporifica na belíssima cena em que Anna, em meio a uma multidão, caminha contra o fluxo corrente de pessoas.
Como evidencia o próprio título do filme, a rua é o cenário que dá corpo às reflexões. A personagem em quase nenhum momento cessa de caminhar ou correr. Essa dinâmica se intensifica quando um avião, com destino à Barcelona – avião que Anna poderia ter pego para encontrar Greg – cai em Paris. Daí em diante as indagações se intensificam. Em meio a protestos, conflitos sociais e tragédias convivemos com as angústias da personagem que, não obstante, são as nossas próprias.
No entanto, a obra não se apresenta como um buraco sem fundo, onde drama, depressão, solidão e pessimismo ofuscam a potência da vida. Em meio ao conflito existencial, Anna aponta para modos de conciliação com a existência, mesmo que por rumos vagos e imprecisos, a personagem convoque outros modos de organização da vida coletiva e de existir.
À deriva, Pelas Ruas de Paris, onde sonho e realidade se tornam uma coisa só, convivemos com as indagações de Anna que não apenas dizem respeito ao seu personagem, na realidade, são questões próprias de todos nós e de nosso tempo.