Nossas relações com o ambiente ao redor, com a forma de obter informações, estudar, pedir entregas mudaram radicalmente e, obviamente, as relações intrapessoais também. O jeito que nos comunicamos, os sinais que interpretamos diante de uma demora de alguns segundos de uma mensagem, ou um tipo de foto de perfil de alguém. A própria maneira que montamos nossa imagem no mundo virtual é uma construção de uma personagem, elementos que preferimos exaltar diante de outros para o restante do mundo.
São questões como essa que Quem Você Pensa que Sou, filme de Safy Nebbou abarca. Claire (Binoche), é uma professora de literatura que passa por um momento difícil. Ao trocar de terapeuta, ela precisa recontar o romance virtual que viveu com Alex (Civil), onde ela montou um perfil falso para enganá-lo.
Conhecido como catfish (por conta do documentário com mesmo nome de 2010), esse tipo de atitude se dá muitas vezes por uma insegurança física/emocional da pessoa que engana a outra, montando um perfil completamente diferente da figura real/física. No caso de Claire, que mesmo sendo interpretada pela belíssima Juliette Binoche, se apega muito fácil e sente a idade avançando rapidamente, tornando-a insegura.
O fascinante em Quem Você Pensa que Sou é o aspecto da sedução virtual que interessa Claire. Sendo uma estudiosa de linguagens, lhe cativa a forma como apenas as palavras e emojis fazem que um relacionamento nasça, mesmo que as duas pessoas jamais tenham se visto, alcançando uma estrutura quase de romance epistolar (curiosamente um dos livros que Claire cita em suas aulas é Ligações Perigosas de Choderlos de Laclos).
Nebbou enquadra diversas vezes Claire com closes que evidenciam como se ela estivesse numa nuvem, suspensa nessa realidade intangível em que pode ser qualquer pessoa. “Eu não fingi ter 24 anos, eu tinha 24 anos”, fala Claire para a terapeuta em determinado momento. Muito sensível da parte do cineasta, de logo depois de Claire descrever um sexting que teve com Alex, o enquadramento finalmente abrir e vermos como definitivamente é a sala de terapia, mostrando como a protagonista se abriu para outra pessoa.
Já a atuação de Binoche é primorosa, como quase sempre. Conseguindo ser sedutora por enaltecer seus mais de 50 anos de forma muito direta e franca, sua expressão consegue atingir com muita facilidade o mais puro êxito de ver algo no celular, até a mais profunda tristeza quando as coisas não parecem dar certo. O mesmo pode ser dito por sua entrega física nas cenas de sexo feita com dois homens bem mais jovens (ao contrário da tão comum relação carnal de homem mais velho e mulher mais jovem no cinema).
O roteiro baseado no livro de Camille Laurens e escrito pelo próprio Nebbou e Julie Peyr propõe grandes discussões acerca das relações humanas no mundo virtual e nas narrativas que criamos dentro delas. Tornamos quase indissociáveis esses mundos, onde vivemos conectados e receptivos a receber e escrever. A trilha sonora de Ibrahim Maalouf, por exemplo, investe muito em sons de mensagens no Facebook ou no celular, que remetem novamente a essa fusão de universos físicos e imateriais
Infelizmente, a segunda metade do filme parece desistir de investir nesses temas e foca numa história com péssimos plot twists, revelações familiares bombásticas e uma barriga enorme que consiste em materializar uma fanfic de Claire com Alex. Todo o potencial temático da obra é quase completamente descartado, enfraquecendo muito a obra.
Apesar de não se sustentar como unidade (uma ótima primeira parte e uma fraca segunda parte), Quem Você Pensa que Sou ainda sim se mantém como um filme relevante sobre todas as questões de nossas relações na internet e, claro, com nós mesmos.