O terror e seus subgêneros, apesar de ser desprezado por muitas premiações, é repleto de clássicos e fãs que sempre encheram as salas de cinema. Na década de 1970 trouxe a presença de crianças demoníacas como em O Exorcista (1974) e A Profecia (1976). Na sequência, o terror slasher de Freddie Krueger, Jason Voorhees seus similares e continuações habitarem não só os cinemas como as vídeo locadoras nos anos 1980. Na década de 1990 foi a vez de terror pós-moderno como Pânico (1996) , Eu Sei o que Vocês Fizeram No Verão passado (1997) e um certo limiar entre terror e suspense com O Silêncio dos Inocentes (1991), que chegou até a levar cinco estatuetas do Oscar, e Se7en – Os Sete Crimes Capitais (1995).
O lançamento de Pânico deixou famoso esse conceito de terror pós-moderno em que, de certa forma, os personagens “sabem” que estão em um filme de terror. Nele os assassinos e os demais personagens utilizam de conhecimentos do universo do gênero para guiar seus atos. Já em Lenda Urbana (1998), por exemplo, o assassino utiliza lendas urbanas como inspiração para cometer seus crimes. Porém, apesar dos esforços, os filmes mais interessantes acabaram sendo as próprias continuações de Pânico.
Agora, baseado numa série de livros, a Netflix lança uma trilogia de filmes que seria uma espécie de “referência das referências” chamada Rua do Medo. A primeira parte é Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (2021), e como era de se esperar, faz referência às produções da década de 1990. A ideia aqui é justamente buscar as produções que foram sucesso no período em que a pós-modernidade chegava com tudo, não apenas no gênero de terror. As produções de Quentin Tarantino como Pulp Fiction: Tempo de Violência (1994), por exemplo, também tem essa pegada referencial.
Então, a primeira diversão aqui é tentar pegar todas as referências. A abertura do filme já faz referência a primeira cena de Pânico em que vemos o assassinato de Casey Becker, interpretada por Drew Barrymore. Além de ser uma cena excelente, ainda foi uma jogada para surpreender o público, pois Drew era uma atriz muito requisitada na década de 1990 e que, inclusive, era destaque nos pôsteres do filme. Vê-la morrer logo no início pegou todo mundo de surpresa.
Em Rua do Medo, apesar de se passar em um lugar diferente, um shopping ao invés de uma casa, toda a cena é construída como a de Pânico. A forma como o assassino ataca e tudo mais. E essa “caça às referências” se prolongará por todo o filme. Inclusive, se não tiver forçando muito a barra, acredito que a ideia de uma bruxa amaldiçoando a cidade pode ser uma referência à Bruxa de Blair (1999) que foi um fenômeno entre os jovens e um dos maiores faturamentos de todos os tempos, mas também, às bruxas que sempre rodeiam o gênero terror.
Entretanto, diferente dos filmes que são a base para a produção, os adolescentes têm cara de adolescente mesmo. Uma coisa que sempre era estranha nos filmes de terror. Por mais que se passe em um colegial, com líderes de torcida (que também estão aqui) e pessoas indo para a faculdade, eles são atores de 30 anos se passando por 17 anos. Em Rua do Medo: 1994 eles realmente parecem ser jovens. Talvez seja alguma influência da série Stranger Things (2016 – ) que é um dos grandes sucessos da própria Netflix. E ainda pensando no elenco, mas voltando na parte das referências, o que me chamou a atenção foi o personagem Simon (Fred Hechinger). Ele é uma figura meio andrógina e que me lembrou bastante Buffalo Bill (Ted Levine) em O Silêncio dos Inocentes (só que bonzinho). Principalmente em uma cena envolvendo ele e um espelho, que acredito fazer referência a uma cena bem marcante do clássico.
Outra diferença (e positiva) é que as minorias aqui têm lugar de maior destaque do que os filmes referenciados. Anteriormente, fazer qualquer coisa que saia fora dos parâmetros de uma “família de bem” era certeza da morte do personagem. Uso de drogas ou sexo, principalmente se a personagem fosse uma mulher, significava a morte dela. Se fosse negro ou pertencente a alguma minoria, ele também morria pelas mãos do Jason, ou algum similar. Em Rua do Medo: 1994 existe um assassino que faz referência a Sexta-Feira 13 – Parte 2 (1981). Nesse filme em específico, ele ainda não utilizava a máscara característica, mas sim uma espécie de saco na cabeça.
Para além do seu pós-modernismo, Rua do Medo: 1994 tem uma história interessante e com toda essa miscelânea de referências ele deixa de ser apenas mais um terror adolescente, como as cópias de Pânico foram em 1990. Ao fim, fica um gancho interessante e chamativo para como vai se desenrolar as outras duas partes que se passam em décadas anteriores. Me chamou a atenção (mas vendo o filme dá para saber a razão) ser uma produção indicada para maiores de 18 anos, sendo que tem tudo para fazer sucesso entre os adolescentes. Mas quem diz que mesmo em tempos de locadoras alguém olhava isso na hora de alugar aquela fita para assistir com os amigos e ver quem aguentava assistir sem fugir. Acho que, em tempos de streaming, isso ainda vale.