A premissa do longa de estréia das diretoras Julia Hannud e Catharina Scarpellini era simples: seguir a rotina das presas da Cadeia Pública de Franca, mas o que o filme Saudade Mundão (2020) nos trás é um olhar intimista da vida diária e monótona de mulheres que foram subjugadas e marginalizadas antes mesmo de serem encarceradas.
O letreiro no início informa que 45% das mulheres que estão encarceradas ainda não receberam julgamento e que a grande maioria delas são mães, menores de 29 anos, negras e pobres.
“Tudo que vem fácil, vai fácil. Menos a cadeia.” – Léia
O filme segue a vida de seis mulheres: Natani, Leia, Nina, Sandra, Bejinho e Coringa mas um dos relatos mais cortantes do filme vem de Janaina quando ela conta que tinha o vírus do HIV e que perdeu sua filha mais nova de 5 meses, é aí que ela simplesmente desiste da sua vida – mesmo ainda tendo um filho de 11 anos – e passa a se drogar. A história, que poderia ser de tantas outras mulheres, ganha uma profundidade diferente não pela linguagem ou forma do filme, mas pela honestidade do relato.
Saudade Mundão não só documenta a maneira como as mulheres vivem em um ambiente confinado, sujo, mal cuidado (pelos outros, não por elas), mas mostra como seu carro chefe a solidariedade e a irmandade que nasce ali dentro; como essas mulheres se juntam para superar os dias encarceradas rezando pela alforria.
Aliás, rezar e orar se tornam os verbos mais usados pelas mulheres ali, onde a grande maioria passa a comparecer aos cultos da Igreja Universal que tem um trabalho extenso dentro dos presídios brasileiros e mesmo dentro de uma lógica religiosa, algumas sabem que quando saírem, se saírem, a vida aqui fora é muito mais complicada e a manutenção dos ideais propostos ali são muito mais difíceis quando se tem uma ficha corrida.
Saudade Mundão retrata a vida dessas mulheres, algumas sem julgamento, acusadas erroneamente, outras que citam todos os artigos pelo quais já foram enquadradas; da forma mais humana possível, pelo olhar delas mesmas. Com uma câmera colocada na mão das detentas elas filmam relatos mas também danças, brincadeiras, elogios umas às outras.
Num país onde falar de direitos humanos básicos virou sinônimo de extremismo, é reconfortante encontrar um documentário como Saudade Mundão, que ainda olha para essas pessoas assim, como pessoas.