“Somos uma terra cujo povo é seu maior tesouro. Estamos na borda de impérios que lutam uns contra os outros.” Essas palavras, proferidas por um dos personagens da animação The Breadwinner (em tradução literal, “a pessoa que sustenta uma casa”), define bem os problemas enfrentados pela sofrida população do Afeganistão, desde que o país entrou em guerra.
O filme, inspirado no livro infantil da canadense Deborah Ellis, com direção de Nora Twomey e produção executiva de Angelina Jolie, foi indicado ao Oscar de melhor longa animado este ano. A autora viajou ao Paquistão nos anos 1990, período em que entrevistou diversos refugiados afegãos. Por conta dessa pesquisa, The Breadwinner acaba tendo alguns elementos documentais, ainda que cercados por fantasia.
A protagonista da história é Parvana, uma menina muçulmana que mora com seus pais e irmãos em Kabul, por volta de 2001, quando o regime talibã toma o poder no Afeganistão. No início do filme, ela passa os dias com seu pai, um professor desempregado e sem uma perna, vendendo alguns de seus pertences mais valiosos na praça da cidade.
Prova do cruel e violento regime que está se instaurando no país ocorre quando o pai de Parvana é preso, sem motivo algum. A garota volta sozinha para casa e precisa conter sua revolta, pensando no que é melhor para os entes queridos que lhe restam. Sob o controle do talibã, nenhuma mulher afegã tem autorização para sair à rua desacompanhada. Isso quer dizer que Parvana, sua irmã Soraya, a mãe e um bebê, acabam ficando “ilhadas” dentro de casa, correndo o risco de morrerem de fome.
Para salvar a família, Parvana decide cortar seu cabelo e se vestir de menino. Assim, consegue enganar os oficiais talibãs e sair de casa livremente, realizando pequenos trabalhos ao lado da amiga Shauzia (outra garota que finge ser o que não é), que lhe permitem ganhar algum dinheiro para comprar comida. Ela também faz amizade com Razaq, um homem que pode ajudá-la a rever seu pai – ou, quem sabe, tirá-lo da prisão.
Nesse mundo de perigo e aventuras, a corajosa menina tira sua força das histórias fantásticas que inventa, tendo como protagonista seu irmão mais velho, Sulayman, morto de maneira trágica. Na narrativa contada por Parvana, que é representada por belas animações – diferentes, em estilo, do resto do filme -, ele é o herói que vence todos os obstáculos para dar esperança a seu povo.
Visualmente cativante e animado de maneira belíssima, trazendo à vida as paisagens e a riqueza cultural do Oriente Médio, o longa falha em alguns momentos pela previsibilidade e falta de sutileza. A história dentro da história, ainda que artisticamente impressionante, não funciona tão bem para dar fluidez ao filme. Ainda assim, a forma com que os personagens afegãos são retratados, com empatia e sensibilidade, permite que os espectadores se identifiquem com esse povo tão oprimido e muitas vezes injustiçado.
The Breadwinner tem momentos tristes, outros encantadores. O longa equilibra bem a ansiedade e o horror da guerra com a ilimitada imaginação infantil, que acaba se tornando uma pequena luz no fim de um túnel bastante escuro. Embora a animação tenha algumas cenas pesadas, é interessante que seja assistida por crianças um pouco mais velhas (acima de 10 anos), com a devida orientação de adultos. Assim, elas podem compreender melhor e adquirir discernimento sobre os problemas reais de outras crianças ao redor do mundo, em situações diferentes das que estão acostumadas. Ao final, ficam as sábias palavras de Parvana: “Precisamos levantar nossos corações, não nossas vozes. É a chuva que faz as flores crescerem, não o trovão.”