Para começar a falar sobre Federico Fellini, antes é preciso falar um pouco sobre Neorrealismo Italiano, porém com o único intuito de dizer que o diretor foi um dos responsáveis por quebrar o gênero e, ao romper com a estética, criar um estilo muito peculiar de fazer cinema, reconhecido no mundo todo.
O Neorrealismo Italiano foi um movimento que aconteceu no cinema, tendo suas raízes ainda durante a Segunda Guerra Mundial, mas que despontou para valer durante o pós-guerra e teve seu declínio no começo da década de 1950.
Rápido, né? Tudo aconteceu porque durante a guerra, a Cinecittà (o complexo de estúdios mais conhecido da Itália) havia sido bombardeada. Com isto, toda produção de audiovisual que antes acontecia entre quatro paredes e seguia os moldes dos blockbusters americanos foi forçada a ir para as ruas, já que havia perdido seu principal lar.
Saindo do conforto do ninho, o que os diretores começaram a ver nas ruas foi o resultado de uma Itália destruída: a miséria, as pessoas nas ruas, a dureza da vida de um país devastado e os efeitos em seus cidadãos. Toda esta temática foi levada para a tela.
As produções contavam com pouquíssimos recursos técnicos, locações reais, quase nenhum equipamento extra e, muitas vezes, atores não profissionais, para que os relatos fossem o mais próximos da realidade possível.
Alguns dos diretores que mais se destacaram no período foram Gianni Puccini, Michelangelo Antonioni, Roberto Rossellini, Cesare Zavattin, Vittorio de Sica e nosso querido Federico Fellini.
Há divergências entre teóricos sobre quando, efetivamente, surgiu o primeiro filme a ser considerado neorrealista. O fato é que a partir do lançamento de Roma, cità aperta, o movimento explodiu e ganhou destaque no ambiente internacional. Fellini e Rossellini eram co-roteiristas da obra que venceu o Grande Prêmio no Festival de Cannes.
O Neorrealismo, no entanto, não durou muito. Já no começo dos anos 1950, a coisa degringolou. Sejamos sinceros: é preciso equilíbrio. O público não sustentaria por muito tempo um movimento que se propusesse a falar eternamente sobre as mazelas da humanidade. Além do mais, a Itália já começava a dar sinais de sua recuperação social e econômica e esta temática passava a ser menos interessante.
Com Abismo de um Sonho, Federico Fellini inaugura sua função de diretor no modo solo. É o primeiro longa-metragem que toca sozinho e já começa a dar sinais do que pode vir a ser uma visão interessante sobre o mundo.
Neste filme, acompanhamos as agitadas 24 horas da vida de um jovem casal que vai passar a lua-de-mel em Roma. Ivan, um jovem extremamente preocupado com o status que será conferido à sua esposa, com a responsabilidade de seu nome e sua honra diante de seus familiares. E Wanda, uma moça sonhadora que apenas gostaria de conhecer seu ídolo, o Sheik Branco – astro de uma fotonovela famosa.
Numa aventura pela capital italiana, ela acaba sumindo sem deixar rastros e caindo em diversas armadilhas, enquanto seu marido entra em total e completo desespero, tentando disfarçar a ausência dela.
Neste trabalho, Fellini não nos oferece um grande enredo, mas começa a apontar características que, alguns anos mais tarde, se tornariam sua marca registrada: seu olhar expandido para as pessoas e a cidade, as personagens caricatas, a mistura entre realidade e sonho, figurinos com texturas, e cenas inusitadas.
A seu modo, Abismo de um Sonho fala sobre a perda da inocência, um desvelar cruel e risível da realidade que nem sempre é como nós queríamos que fosse. Ou nas palavras de Wanda, “a verdadeira vida está no sonho, mas o sonho também é um abismo fatal”.
É a primeira aparição de figuras periféricas pelas quais o diretor vai se revelar um verdadeiro apaixonado, em seus próximos filmes: um cidadão esquisito que invade a logística da execução da fotonovela na praia, os funcionários do Hotel em que o casal fica hospedado, as tias da família de Ivan.
Mas a verdadeira cereja do bolo são duas prostitutas que aparecem para consolar o moço durante a madrugada: temos aí os primeiros quadros de Cabíria, que ganharia um filme só para ela, 5 anos depois.
Abismo de um Sonho é só o começo, a ponta de um iceberg muito, muito grande, no qual realidade e sonho, carreira e lembranças do próprio diretor se misturam propositadamente, fazendo com que a obra oferecida aos espectadores venha recheada de símbolos e questionamentos.
Fellini alça voo no cinema porque, acima de tudo, é um grande contador de histórias. Que bom seria se o mundo pudesse produzir um desses com mais frequência.
Você encontra Abismo de um Sonho e outras grandes obras da cinematografia de Fellini no streaming do Telecine. Além do diretor italiano, a plataforma oferece um catálogo com mais de 2 mil filmes e os primeiros 30 dias de acesso são gratuitos.
Quer mais? No próximo domingo, 28, os assinantes dos canais Telecine poderão conferir a Mostra Fellini, que acontece a partir das 11h no Telecine Cult. Farão parte da programação os longas A Voz da Lua, Abismo de um Sonho, Os Boas Vidas, Noites de Cabíria, A Doce Vida, 8 ½ e Julieta dos Espíritos.
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