Por Joyce Pais
Quando lançado em 1999, De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut), que teve sua montagem finalizada alguns dias antes da morte de Stanley Kubrick, foi mal recebido (e pode-se dizer mal compreendido) pela crítica. Inspirado na novela Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler, cujos direitos haviam sido comprados por Kubrick em 1960, a obra abordava o processo de separação vivido dolorosamente por um casal.
Após anos de reclusão, Kubrick retorna, 45 anos depois, a Nova York para rodar o seu segundo filme nesta cidade, o primeiro foi A Morte Passou Perto. De Olhos Bem fechados, que levou 52 semanas para ser filmado, foi anunciado em dezembro de 1995, mas os atores ficaram disponíveis até maio de 1998. Outro fator que gerou expectativa e especulações foi o fato de Nicole Kidman e Tom Cruise, protagonistas do filme, formarem um casal na vida real.
Antes de dar início à produção de De Olhos Bem Fechados, Kubrick comprou, em 1980, os direitos de O Perfume (Patrick Suskind), mas logo abandonou a ideia de adaptá-lo às telas. Em seguida, engajou-se na tentativa de adaptar, ao lado de Brian Aldises, o conto “Super toy last all summer long”, publicado em 1969. Ele narrava a história de um empregado de uma empresa cibernética que leva para casa um filho androide. Posteriormente, Bob Shaw, romancista inglês, Ian Watson, escritor de ficção científica britânico e Arthur Clarke trabalharam num roteiro que acabou não virando filme.
Em abril de 1993, Kubrick já trabalhava em outro projeto: a adaptação da obra literária Infância de Mentira (Wartime Lies), de Louis Begley. A trama girava em torno de um garoto judeu que fica órfão e segue com sua tia em um trem para Auschwitz. O ator mirim Joseph Mazello, que fez Parque dos Dinossauros, e as atrizes Julia Roberts e Uma Thurman estavam sendo especulados para os papéis do garoto e da tia, respectivamente.
Alguns meses depois, em novembro do mesmo ano, a Warner anuncia a produção de Inteligência Artificial. Fascinado pela tecnologia empregada em Parque dos Dinossauros (Jurassic Park), Kubrick convida Dennis Muren e Ned Gorman, da Industrial Light and Magic, produtora de George Lucas, para integrarem o projeto. Ele esperava que o know-how destes profissionais o ajudasse a construir toda a atmosfera que ele planejava para o filme. Acontece que poucos meses depois, por julgá-lo muito complexo, ele adia o projeto. Uma curiosidade interessante é que, á princípio, Kubrick pretendia ser apenas o produtor de Inteligência Artificial, deixando a direção a cargo de Steven Spielberg, que ficou reticente com a oferta.
Stanley Kubrick, em De Olhos Bem Fechados, propõe uma viagem ao desconhecido. Os protagonistas William e Alice Harford passam por uma crise de identidade e imergem num mundo de fantasias e descobertas hipnotizantes. Destaco a cena em que Alice (Kidman) conta ao marido sobre os desejos que teve no verão passado com um oficial da Marinha quando eles passavam férias em Cape Code. O realismo aqui é cortante, e a cada cena, cada palavra, nós, espectadores, ficamos entorpecidos, assim como Bill ao se dar conta de que uma linha tênue separava a segurança que tinha em seu casamento aos impulsos de sua mulher.
Os ancestrais paternos e maternos do diretor deixaram o império austro-húngaro e foram para os Estados Unidos no século XIX. Em sua obra, Kubrick tinha fortes influências e predileções pela cultura do mundo germânico; há de se notar que a senha para a orgia no filme é Fidelio, o nome de uma ópera de Beethoven, que traduzia a ideia de liberdade e era um hino ao amor conjugal.
Outra curiosidade na produção do filme foi Kubrick ter transformado a personagem de Alice, vivido por Nicole Kidman, em uma diretora de galeria de arte para justificar o uso dos quadros de sua esposa, Christine Kubrick, nas paredes do apartamento do casal Harford.
Stanley Kubrick, em De Olhos Bem Fechados, criou um mundo de embriaguez num exemplo raro de diretor que preserva, ao mesmo tempo, o gosto pela tradição e a vontade de rompê-la.
Veja o trailer:
