Por Joyce Pais

Baseado na obra e William Inge e roteirizada por George Axelrod (Bonequinha de Luxo), Nunca Fui Santa (Bus Stop; 1956) conta a história de um caubói ingênuo, Bo (Don Murray) que aos 21 anos sai pela primeira vez de seu rancho em Montana e viaja para o rodeio em Phoenix, no Arizona, na compania do amigo Virgil Blessing (Arthur O’Connell), quase um pai para o jovem. Durante a viagem de ônibus, Bo é incentivado a arrumar uma companheira, ele rebate dizendo que está a procura de um “anjo” e que quando a encontrar saberá que é a mulher perfeita pra ele. Assim que chegam ao destino se instalam num pequeno hotel de frente para o café, o Blue Dragon, onde se apresenta a bela Chérie (Marilyn Monroe), que sonha um dia em ser atriz de Hollywood. A dançarina insiste na pronuncia certa do seu nome que deriva do francês e se impressiona quando o caubói revela que seu verdadeiro nome é Beauregard, também francês, herdado de sua mãe. A partir daí estabelecem-se situações cômicas bem colocadas, simples e até clichês, mas eficazes na trama.

O início das negociações de Nunca Fui Santa se deu pela escolha do diretor Joshua Logan. Ele e a estrela principal do filme, Marilyn, estavam receosos um com o outro e para intermediar o primeiro encontro foi necessária a ajuda de Milton Greene, seu sócio na Marilyn Monroe Productions, conselheiro e ex-affair, como já citei em outros textos do especial. Além de ser já ser uma atriz consagrada e no auge de popularidade, o que naturalmente já lhe daria poder de decisão, o longa foi produzido pela MMP, ou seja, a atriz tinha plenos poderes sobre as escolhas em torno do filme.

Logan era conhecido por sua dureza e intransigência com os atores, e Marilyn por sua insegurança e atrasos. No dia marcado para o encontro, a atriz se trancou no camarim e, pressionada por Greene, disse que assim como Chérie, ela não conseguia sair do camarin, vítima de pânico. Logan foi conquistado por sua sacada criativa. Posteriormente ela foi apresentada ao figurino escolhido e o achou vulgar e de mal gosto. Num momento mais oportuno opiniou a respeito e as roupas foram adaptadas a personalidade de Chérie.

Nunca Fui Santa também marcou o primeiro filme com a marca Strasberg. Por curiosidade, Joshua Logan também havia frequentado o Actor’s Studio. Como Lee não poderia se deslocar até o Arizona ou Nevada ele impôs a presença de sua mulher Paula. O diretor não aceitaria sua intromissão no set, por isso combinou com Marilyn que seu contato com a mentora seria limitado ao camarim particular. Tal acordo se desfez menos de um dia depois.

Defendendo sua própria visão de como o processo de interação entre Chérie e Bo deveriam se desenvolver, Marilyn provocou Murray e chegou a agredi-lo fisicamente a fim de causar uma reação real de brutalidade mais próxima do que estava preescrito para seu personagem autoritário, o que acabou gerando certa tensão no set, já que o ator era refinado, delicado e a tratava muito bem. O fato de ele não a desejar na vida real (como a maioria de seus pares nos outros filmes), a constrangia e aumentava sua insegurança em relação a si mesma.

Durante o período de gravação do longa, Arthur Miller se “exilava” numa cabana em Nevada para simular uma verdadeira residência e conseguir o divórcio o mais rápido possível; assim que sua mulher tomou conhecimento do caso que ele mantinha com Marilyn, o expulsou de casa.  Ela ligava para ele frequentemente lamentando o tormento interior que vivia durante as filmagens, o ambiente do set a aterrorizava, era hostil, apesar de ser uma atriz mundialmente famosa e requisitada.

Um fato interessante é que nesse período de reclusão de Miller ele conheceu alguns sujeitos que de tão excêntricos poderiam facilmente ter saído direto de um filme para a vida real. Caubóis que abandoram mulher e filhos e tinha como única companhia o álcool, que caçavam cavalos selvagens para vender aos comerciantes que deles retiram carne pra dar ao cães, ele aproveitou o assunto no roteiro que mais tarde seria do filme Os Desajustados (The Misfits; 1961).

Durante as gravações em Sun Valley Marilyn pegou um resfriado e foi hospitalizada com bronquite agravada por esgotamento, isso é apenas uma demonstração de como o seu trabalho como atriz a desgastava física e psicologicamente.

Em Nunca Fui Santa, Marilyn defendeu seu próprio posicionamento do personagem de certa forma limitado e conseguiu um resultado interessante. Está entre os meus preferidos da atriz, por ser singelo, simples e ao mesmo tempo deixar sua marca.

Veja o trailer:

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