No último dia 28 a EBAC – Escola Britânica de Artes Criativas promoveu o primeiro encontro do Women in the Industry, uma iniciativa que visa dar voz à diversas mulheres, de diferentes áreas da indústria, para discutir a produção e a importância de projetos femininos. Com o primeiro enfoque na produção e no processo criativo audiovisual de diretoras e roteiristas, foram chamadas as diretoras e roteiristas Marina Person e Vera Egito para a mesa mediada por Malu Andrade.
As diretoras contaram um pouco sobre suas trajetórias pessoais até chegar onde estão hoje e de trabalhos marcantes: Califórnia de Marina e os curtas que levaram Vera Egito a ser a primeira pessoa com dois curtas no Festival de Cannes.
Além dos projetos, a conversa girou em torno de questões essenciais sobre o audiovisual de modo geral. Marina defendeu que ele não deve ser considerado apenas uma questão cultural, para além disso, é também uma questão econômica, sendo responsável por uma grande parcela do PIB nacional.
Ainda assim, as mulheres seguem ocupando papel secundário. Se as oportunidades dadas às crianças de ambos os gêneros são, na teoria, iguais, por que chegam tão poucas mulheres na linha de frente de produções audiovisuais, ou ainda mais agravante, por que quase nenhuma mulher negra consegue chegar a ser diretora, por exemplo? Qual o motivo de vermos tão poucas mulheres ganhando editais ou na programação de festivais? As comissões de seleção são majoritariamente compostas por homens, então com certeza não é por falta de vontade, mas de oportunidade.
É por isso que cada vez mais as mulheres começam a questionar esses números – e os salários. Apenas uma mulher ganhou a Palma de Ouro em Cannes, Jane Campion por O Piano, em 1993 e ainda precisou dividir o prêmio com Kaige Chen de Adeus Minha Concubina. Quando ao Oscar, Kathryn Bigelow foi a única mulher a ganhar a estatueta de melhor filme por Guerra ao Terror, em 2008 e em 90 anos de premiação, apenas cinco mulheres foram indicadas na categoria de melhor direção, com apenas uma levando o prêmio: Bigelow. Pelo recorte racial, a situação é ainda mais grave, esse números caem a zero.
Camila de Moraes é a primeira diretora negra em cartaz em circuito comercial no Brasil depois de 34 anos. O documentário O Caso do Homem Errado aborda a violência policial e além de ter sido selecionado para o Festival de Gramado em 2017, ganhou o prêmio de melhor longa-metragem no 9º Festival Internacional de Cine Latino – Latinuy. A última vez que um longa dirigido por uma negra chegou ao circuito comercial foi em 1984, com o filme Amor Maldito (1984), de Adélia Sampaio, e foi classificado como pornô – sem ser.
A militância feminista, anti-racista, LGBTQIA+ dos últimos anos tem aberto olhos e portas para essas temáticas e despertando uma demanda por projetos que acoplem essas militâncias, com protagonistas mulheres, negros e negras, transexuais, gays, lésbicas, enfim, representatividades não padrão. Um impasse acontece a partir disso, pois as produtoras grandes e estabelecidas ainda estão em sua maioria nas mãos de homens brancos, às vezes os projetos com esses tipos de tema não passam pelo gargalo, ainda que haja demanda.
Quanto mais mulheres ocuparem os espaços diversos, da ideia à produção e direção final, tanto mais representatividade teremos em tela, nos festivais e nos editais de fomento. Vera Egito terminou lembrando da famosa síndrome que costuma acometer principalmente mulheres: a síndrome da impostora, e conta uma anedota que sempre ouve: “os garotos quando entram na faculdade de cinema pensam: quando vão descobrir que sou um gênio? Já as garotas pensam: quando vão descobrir que sou uma fraude?”. É sintomático do modelo machista de sociedade em que vivemos, e projetos como esse precisam existir para que possamos trocar experiências e nos enxergar capazes de produzir.
If she can see it, she can be it (Se ela se reconhece, ela pode ser) – Geena Davis
Vera Egito é roteirista e diretora, já dirigiu clipes, peça de teatro, curtas e longas-metragens. Seus dois curta-metragens, Espalhadas pelo ar (2007) e Elo (2008), foram selecionados para a Semana da Crítica no Festival de Cannes de 2009. Como roteirista fez: Elo (2008), Espalhadas pelo ar (2007), Bond (2009), colaborou com À deriva (2009) e Serra Pelada (2013), ambos de Heitor Dhalia. Como diretora fez: Amores urbanos (2016); Bond (2009); Elo (2007) e Espalhadas pelo ar (2008).
Marina Person é diretora, apresentadora e atriz. Trabalhou na MTV Brasil e na TV Cultura. No cinema dirigiu o documentário Person, e com Jorge Espírito-Santo, o curta Almoço Executivo, premiado nos Festivais de Gramado e RioCine e Califórnia, seu primeiro longa, em 2015. Como atriz, estreou em 2016 como protagonista em Canção da Volta, de Gustavo Rosa de Moura.