Por Domitila Gonzalez
Grandes roteiros são atemporais. E Noites de Cabíria assim o é. Não porque venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1958, nem porque Giulietta Masina é considerada o Chaplin de saia do cinema clássico, mas porque Fellini sabe se conduzir.E isso parece redundância, mas é bom ressaltar: Fellini é um cara de escolhas. Ele sabe exatamente o que quer. E aí o áudio esquisito porque foi dublado pelos próprios atores (afinal, que equipamento podia captar tão bem, naquela época?) ou o roteiro batido não fazem diferença.

Em Noites de Cabíria, vemos a história de uma prostituta que acaba esbarrando em várias figuras peculiares, sempre procurando o amor de sua vida pela cidade. Já vimos algo parecido, não? Os posteriores Bonequinha de Luxo (Blake Edwards, 1961) e Uma linda mulher (Garry Marshall, 1990) não me deixam mentir. Ok, então se não tem novidade, o que faz da escolha da vez da Coluna Rosebud uma película tão especial?

A tríade Fellini – Nino Rota – Giulietta Masina. Os casamentos perfeitos.

Cabiria 2 cópia

A começar pelo compositor. Nino Rota é “o cara da música” oficial de Fellini. Somos embalados com muita sensibilidade e precisão pelas ruas de Roma. Em violinos que vêm e vão, percebemos o cuidado que Rota teve em perceber o tom de cada cena. Não é à toa que o cara foi um dos melhores e tem um monte de filmes e diretores incríveis em seu currículo.

Giulietta Masina foi, creio eu, uma das melhores escolhas de Fellini. E a moça encanta de verdade. De esquisitona, esquentadinha e briguenta, a baixinha Cabíria logo vira Maria Ceccarelli quando encontra um moço que vale a pena. E então vemos o trabalho da atriz que tinha tudo para ser somente cômica, mas transita para o lirismo com uma qualidade cênica impecável. Vale ressaltar toda linguagem corporal de Giulietta. Com seus olhos esbugalhados e as sobrancelhas bem desenhadas, Masina nos fisga para dentro do filme ao melhor estilo A Rosa Púrpura do Cairo (Woody Allen, 1985) de ser.

Falar de Fellini é um caso à parte. Colocar Fellini e cinema na mesma frase é como deixar uma criança numa loja de doces por uma tarde inteira e, ao final do dia, ver que ela só escolheu o caramelo listrado que estava no alto da prateleira da direita. Ele é meticuloso e leve, ao mesmo tempo. Cru, sem deixar de ser sensível.

Cabiria posterA leveza das crianças que resgatam Cabíria, no começo do filme, é a mesma leveza das crianças e Amarcord (1973), italianas em cada fio de cabelo. Contudo, existe uma teatralidade presente em Amarcord que só se faz presente em Maria Ceccarelli.

O tom cômico e desengonçado da personagem é preciso, e essa precisão vem muito da escolha do diretor em colocá-la paralela a personagens sóbrios como Alberto Lazzari (Amedeo Nazzari). Na cena da boate, por exemplo, os transbordamentos vêm dos olhos grandes de Cabíria, que retratam exatamente o que o espectador sente quando vê, por exemplo, a dança sulista das meninas ou então a expressão de outras esquisitas do local.

E como é bacana reparar que a equipe brinca com as estampas e texturas dos figurinos! Parece bobo reparar nesse tipo de coisa, mas acaba tendo lógica: já que o filme é preto-e-branco, nos resta brincar com outros recursos. Ou seja: surge uma Giulietta com um casaco de pele felpudo, uma saia lisa preta e uma blusa listrada em branco e preto. Lindo!

Tornamo-nos cúmplices de Cabíria ao longo das quase duas horas de filme e quando ela olha em nossos olhos com a lágrima de rímel escorrendo, arlequinesca, pelo olho esquerdo, temos a certeza de termos visto uma verdadeira obra de arte.

 

VOCÊ NÃO SABIA QUE…

– Nino Rota é o compositor oficial de Fellini. A parceria começou em Abismo de Um Sonho (1952) e se estendeu até Ensaio de Orquestra (1979).

– A personagem Cabíria já havia aparecido no filme Abismo de Um Sonho, também interpretada por Giulietta Masina.

– Federico Fellini e Giulietta Masina foram casados durante 50 anos e metade dos filmes que a atriz fez foi seu marido quem dirigiu.

 

Assista o Trailer:

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