Alguns anos antes da franquia Jogos Vorazes levar o conceito das distopias cinematográficas para mais perto do grande público contemporâneo, V de Vingança foi uma das principais obras do gênero nos anos 2000. Estrelado por um elenco de nomes famosos e com roteiro e produção das irmãs Wachowski, logo após lançarem a trilogia Matrix, o longa-metragem soube entreter sem perder a grande essência de seu material original: as ideias.
Inspirado na série de HQs criadas por Allan Moore e David Lloyd publicada pela DC Comics, V de Vingança se passa na Londres de um futuro próximo, onde um governo totalitário de extrema direita assumiu o poder, cerceou direitos da população e também regulou os meios de comunicação locais. Toques de recolher são executados todas as noites; a homossexualidade é repreendida; protestos e rebeliões estão proibidos; e a imprensa é dominada pelos governantes.
É neste cenário que Evey (Natalie Portman), funcionária da rede de TV local, conhece o misterioso personagem-título do filme, V (Hugo Weaving). Ao sair de casa em um horário não permitido pelas autoridades ela acaba sendo confrontada pelos “homens-dedo”, espécie de policiais do governo, e é salva pelo homem que usa uma máscara que se tornaria símbolo de inúmeras revoltas no mundo real: a do revolucionário Guy Fawkes.
Nascido em 1570 em York, na Inglaterra, Fawkes foi um dos integrantes do episódio conhecido como a Conspiração da Pólvora, quando um grupo de católicos revolucionários tentaram explodir o parlamento britânico e matar o rei Jaime I. Mas, em 5 de novembro de 1605, dia em que o ambicioso plano seria executado, Fawkes é descoberto, a conspiração fracassa, e seus idealizadores são punidos com a morte. Centenas de anos depois, V busca concretizar esse plano e livrar a Inglaterra de seus atuais líderes ditadores da verdade.
V de Vingança foi lançado no mesmo ano em que o espetacular e também distópico Filhos da Esperança (2006), e ambas as tramas são ambientadas em uma Inglaterra do futuro. Mas enquanto a obra-prima de Alfonso Cuarón apresenta um cenário mais apocalíptico em que a humanidade se aproxima da extinção pela infertilidade, na trama de V a luta é contra a opressão e o totalitarismo daqueles que estão no poder. Como o roteiro das irmãs Wachowski ressalta, há algo de terrivelmente errado naquele aquele país.
As similaridades entre o governo em vigor em V e o regime nazista alemão são óbvias e tanto o roteiro quanto o design de produção do filme fazem questão de deixar isso bem claro. Itens como a figura do alto chanceler Adam Sutler (John Hurt); as bandeiras com símbolos partidários; os experimentos científicos em civis considerados inferiores; e as incessantes propagandas ideológicas nos meios de comunicação são algumas das claras referências ao Terceiro Reich. Personagens e mecanismos de censura que também fazem uma clara rima com a mais famosa obra literária sobre distopia: 1984, de George Orwell.
Alegorias à parte, o grande mérito de V de Vingança é conseguir colocar uma complexa ideologia em ação de forma lúdica. Para o personagem de V, não há uso de hashtags, tweets e criação de trending topics que possam gerar uma reforma do sistema em que grande parte da população se encontra. Movido pela revolta contra aqueles que atormentaram seu passado e enganam o povo todos os dias, V comete assassinatos, atentados e outros atos rebeldes de moralidade discutíveis sem demonstração de remorso.
As execuções destes planos, infelizmente, acabam gerando alguns rombos no roteiro que fazem com que V se assemelhe a um outro engenhoso personagem também da DC Comics: o Coringa. Sem qualquer tipo de ajuda e procurado por inúmeras autoridades em toda a projeção do filme, V consegue aparecer na hora certa em locais improváveis e concretizar ideias mirabolantes de maneira fácil, como invadir sozinho um prédio fortemente vigiado para transmitir uma mensagem. É claro que ideias são à prova de balas, mas o roteiro das irmãs Wachoswki e a direção de James McTeigue poderiam tornar algumas situações um pouco mais plausíveis.
Apesar de extravagantes, tais ações são a forma que V encontra para executar suas ideias e atingir um objetivo: o de fazer com que o povo não tenha mais medo de quem o governa, e sim que governantes temam o povo. E se Evie se transforma de uma vaidosa “donzela” no início do filme para alguém de aparência e atitudes totalmente diferentes no desfecho, é por conta de V e sua ideologia. E cabe ao espectador querer julgá-lo por tudo isso.
A sociedade distópica de V de Vingança é abordada no curso de Panorama do Cinema Distópico, ministrado pela professora Thaís Lourenço. Mais informações no link abaixo.
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