Por Sttela Vasco
*** O texto pode conter spoilers ***
Já faz algum tempo que a Disney vem se embalando em duas ondas: adaptações live action de seus clássicos mais aclamados e a construção – tanto em animações quanto fora delas – de princesas consideradas feministas. Logo, não é surpresa que A Bela e a Fera (Beauty and the Beast), uma de suas produções mais aclamadas, que chegou, inclusive, a concorrer ao Oscar de Melhor Filme em 1992 – a primeira animação a alcançar tal feito – tenha finalmente navegado por essas mesmas ondas. Com uma nova roupagem, muita beleza e respostas para questões deixadas em aberto pelo longa original de 1991, a adaptação de Bill Condon cumpre com seu papel de reviver um conto muito amado com encanto, luxo e carinho, mas comete lá os seus erros ao longo do caminho.
A história já conhecemos: Bela (Emma Watson), uma jovem moradora de uma pequena aldeia na França, sente-se reprimida pela vida “provinciana” que leva e sonha em se aventurar mundo afora e conhecer outros lugares. Tudo muda quando seu pai é capturado pela Fera (Dan Stevens) e, para libertá-lo, ela se voluntaria para ficar em seu lugar, passando a morar em um estranho castelo onde os objetos falam e o seu dono é, na verdade, um príncipe enfeitiçado.
Em termos gerais, o longa se mantém fiel à animação na medida do possível. A história em si é a mesma e, ao contrário, por exemplo, de Malévola (Maleficent), que reinventou A Bela Adormecida, não há mudanças drásticas quanto à narrativa. Porém, existem adaptações. Apesar de mirar no público que conheceu a história ainda na infância, não seria possível trazer A Bela e a Fera para o “mundo real” sem alguns ajustes aqui e ali, afinal, de 1991 a 2017 o mundo, assim como os espectadores, mudaram. Logo, não é susto algum se deparar com uma Bela muito mais questionadora, senhora de si e do seu destino e um pouco mais ousada.
Um dos aspectos mais interessantes dessa princesa foi o fato de ela nunca realmente precisar que alguém a salvasse, na verdade, quem sempre ocupou o papel de “amazona em uma armadura reluzente” nessa história foi ela. Mesmo no original, era Bela quem salvava o príncipe. Porém, nessa adaptação, seguindo a linha de Valente, Frozen e até mesmo Moana, vemos uma Bela ainda mais destemida, determinada e disposta a lutar literalmente por aqueles que ama. Ela não tem medo de ir contra tradições, enfrentar perigos ou quebrar regras. Se tais traços eram sutis na versão animada, o live action deixa explícito, assim como a própria diz, que não se trata de uma princesa, muito menos uma que precisa de um salvador. Se antes o amor ao livros e o aspecto sonhador era o que a destoava, essa Bela tem um fator a mais para considerarem “esquisita”: trata-se de uma garota criativa, engenhosa, que, assim como o pai, trilha o caminho para ser uma inventora.
Esse é um dos grandes trunfos da obra. Há uma conversa com a realidade atual que antes não existia. O que muitos consideram feminista é, na verdade, um ajuste ao que vivemos: apesar de todas as dificuldades e de ainda enfrentar obstáculos, há muito que as mulheres deixaram de ser apenas a figura que cria os filhos. Elas possuem sonhos, vontades, são inteligentes e conseguem resolver suas vidas sozinhas, logo, não faria sentido se Bela fosse retratada de outra forma. Isso sempre esteve na essência da personagem e foi reforçado no longa. Outras questões atuais também entram em pauta, como, por exemplo a inclusão – ainda que muito pequena e em posições secundárias – de personagens negros e a tão comentada presença de um personagem gay.
Apesar do exagero de reações, toda a questão LGBT é pincelada na obra de maneira sutil, tornando difícil de compreender o grande alarde que se fez entorno da mesma. Há duas cenas em que o tema vem à tona – uma delas, bastante inteligente, diga-se de passagem, envolvendo o guarda-roupas, e que em muito lembra algo já abordado em Mulan – mas são extremamente breves. É um passo importante, sem dúvidas, e mostra que a Disney já dá sinais de abraçar mais a diversidade em suas obras, mas nada que represente uma revolução, ainda há muito a ser feito nesse quesito.
Junto a essa vontade de abraçar questões pertinentes e mais debatidas na atualidade, outro fator que permeia o filme o tempo todo é a necessidade de preencher lacunas deixadas pela animação, o que acaba por causar algum cansaço em relação ao roteiro. É muito bom conhecer a história por trás de alguns personagens e poder se aprofundar nas mesmas, porém, em alguns momentos, isso se tornou excessivo, deslocado e até mesmo forçado. Em sua vontade de responder, o roteiro acabou respondendo de mais e de um modo que, vez ou outra, chega a ser quase didático.
É inegável a beleza de A Bela e a Fera e esse é, possivelmente, um de seus pontos mais altos. Figurinos, cenários, tudo foi trabalhado de modo a fazer jus ao que se vê na animação. Há muito luxo, muito brilho e também muitos detalhes. Os objetos animados são uma conquista a parte. Refinados e elegantes, são uma das melhores coisas de todo o longa. Algo que não se pode dizer da Fera, no entanto. Se a computação gráfica fez mágica com os criados, falhou em seu personagem principal. Em alguns momentos, a Fera parecia uma figura deslocada de uma animação da Pixar. Realista, sim, mas não ideal para um live action. O ponto que mais apresenta problemas é seu figurino, em algumas cenas é possível perceber nitidamente o CGI, algo que destoa de todo o resto, tão bem trabalhado.
As canções também são um ganho. Com as originais mantidas e novas incluídas, elas conseguem transmitir emoção e ajudam o espectador a se envolver na trama. Responsável pela trilha sonora da animação, Alan Menken trouxe uma bela roupagem para aquelas já conhecidas pelo público e ganhou novos méritos com as composições especiais para o longa. Evermore, Days in the Sun e How Does a Moment Last Forever são verdadeiras joias e trazem magia e humanidade à história. Em termos musicais, é como se o filme de 1991 tivesse dado as mãos com o musical da Broadway e criado algo que mistura nostalgia e novidade ao mesmo tempo.
As atuações de Emma Watson e Dan Stevens, no entanto, deixam um pouco a desejar. Apesar da beleza e da magia, leva algum tempo para se conectar com os mesmos e sentir a química entre ambos. Os números musicais por eles interpretados também possuem algumas falhas. Por outro lado, a dupla Luke Evans e Josh Gad – Gaston e LeFou, respectivamente – funciona muito bem e é um destaque na história.
A Bela e a Fera é, de fato, um presente para quem cresceu com o clássico, uma forma de aproximar novas gerações do mesmo e também uma viagem a lembranças da infância – tanto do espectador, quanto dos personagens. Resgatando até mesmo personagens presentes apenas no longa natalino de A Bela e a Fera (O Natal Encantado da Bela e a Fera, de 1997), é uma obra que toma como base – e de modo muito inteligente – os fãs que já possui e usa todo o carinho que o público possui pela história a seu favor. Apesar de algumas falhas – que podem decepcionar aqueles com expectativas muito altas – o filme cumpre sua missão ao reviver uma das principais obras da Disney com muito capricho, entusiasmo e diversão, de modo a fazer você sentir vontade de assistir de novo.
A Bela e a Fera (Beauty and the Beast)
Direção: Bill Condon
Roteiro: Evan Spiliotopoulos; Stephen Chbosky
Elenco: Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans
Gênero: Romance, Fantasia, Musical
Nacionalidade: Estados Unidos