Por Joyce Pais
Os cavalos selvagens Mustang que galopavam pelo árido deserto de Nevada em Os Desajustados (1961) não foram domados com facilidade nem pelos experientes e destemidos caubóis vividos por Clark Gable e Montgomery Clift. Animais estes, que ora suscitam agressividade por parte dos que o cercam, ora os atraem, seduzindo-os na tentativa incansável de aprisioná-los. Mas afinal, o que isso tem a ver com o representante da França no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Cinco Graças (Mustang, no original)?
Se no longa de John Ford eram os cavalos a serem domados, em Cinco Graças são as irmãs órfãs de um pequeno vilarejo turco, que após uma inocente ida a praia depois da escola passam a ser alvo de comentários da vizinhança, o que desencadeia uma série de restrições impostas a elas. Há um senso de rebeldia latente, típico da juventude, que impulsiona essas jovens a driblar, com sagacidade, a cerca (física e simbólica) construída ao redor delas.
Não há como não relacionar Cinco Graças a Virgens Suicidas (estreia de Sofia Coppola na direção, em 1999). Ambos giram em torno da opressão religiosa, neste caso, muçulmana, no outro, católica, que em diferentes graus cerceiam os direitos, prazeres e autonomia das jovens, sobretudo por serem do sexo feminino. São constantes cenas contemplativas, assim como algumas capturadas por Coppola, em que a câmera desliza lentamente observando corpos agrupados, entrelaçados, das jovens a mercê do tempo, que passa vagarosamente numa tarde ensolarada quando se tem essa idade e poucas distrações. A cumplicidade e irmandade entre elas traz à tona a força do grupo e evidencia a enorme sinergia entre as atrizes, donas de belezas desconcertantes, diga-se de passagem. Me custou acreditar que elas não eram realmente irmãs na vida real. No entanto, é preciso pontuar que o longa americano fica aquém do franco-turco, já que ele flutua na superfície de uma drama familiar que não dialoga de forma tão profunda com questões maiores/externas.
Assim, as jovens são forçadas a abandonar a escola para se dedicar a aprender tarefas domésticas como cozinhar, costurar e cuidar da casa. Progressivamente, a casa se transformar numa prisão e seus casamentos (com homens mais velhos) começam a ser articulados e o quinteto tratado como peças de um leilão valioso. Elas são treinadas como soldados que vão para a guerra e devem estar preparados para enfrentar todas as possibilidades de perigo. Uma dura batalha.
No seio de tanto drama, contado a partir do olhar da caçula, Lale, há espaço para humor e ternura. Momentos de diversão (como o jogo de futebol) e de companheirismo (como aquele em que a avó causa queda de energia a fim de evitar que as netas sejam punidas). É sintomático que um filme dirigido e roteirizado por mulheres (num momento em que se discute tanto a presença e valorização das mulheres na indústria cinematográfica) tenha agregado um olhar mais empático na abordagem de temas tão delicados como os levantados e referentes a alguns dos dramas pertencentes a este universo. Essa quebra da ordem vai além de um simplista conflito geracional ou uma perturbação do status quo. O filme é sobre lutar para mudar um destino pré-determinado com convenções, instituições, normas. Sobre a força da mulher e empoderamento feminino. Sobre um novo espaço que essa juventude vem para ocupar frente a paradigmas religiosos e sociais milenares.
Muros cada vez mais altos podem se erguer, mas enquanto houver o profundo desejo de liberdade sempre será possível transpô-los.
Ano: 2016
Direção: Deniz Gamze Ergüven
Roteiro: Deniz Gamze Ergüven e Alice Winocour
Elenco principal: Güneş Nezihe Şensoy, Doğa Zeynep Doğuşlu, Elit İşcan.
Gênero: Drama
Nacionalidade: Turquia , França , Alemanha
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