“O multiverso é um conceito sobre o qual sabemos assustadoramente pouco”, Doutor Estranho já havia nos avisado. E essas infinitas possibilidades são bastante exploradas no novo filme da Marvel, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura / Doctor Strange In The Multiverse Of Madness. Dirigido por Sam Raimi (responsável pelo Homem-Aranha que inseriu Tobey Maguire no universo dos super-heróis), o longa é a continuação do bem sucedido Doutor Estranho (2016), protagonizado pelo multitalentoso Benedict Cumberbatch.
As questões colocadas pela existência do multiverso são, em essência, interessantíssimas. Quem não gostaria de saber o que seus “outros eus” se tornaram, ou o que seria de sua vida se tivesse optado por escolhas diferentes? Vide a pergunta que paira no ar, feita pelo próprio Doutor Estranho para si mesmo: você é feliz? Os caminhos e as decisões que tomamos não apenas determinam nossas possibilidades de alcançar alguma felicidade, como dizem muito sobre a natureza mais profunda do nosso ser.
Em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, é muito fácil compreender o que leva Wanda (interpretada por Elizabeth Olsen), após os eventos de WandaVision, a querer recuperar sua família (ou pelo menos os filhos, que são o foco deste filme). Para quem não acompanhou a série, em que [spoiler] a Feiticeira Escarlate/Wanda cria toda uma cidade ficcional para viver o sonho da família perfeita, ao lado do marido Vision e dos dois filhos, mas acaba abrindo mão de sua ilusão ao perceber o mal que causou a diversas pessoas, talvez fiquem faltando algumas respostas ou motivações concretas para a vilã. Até mesmo para os fãs da série, talvez a súbita vilania de Wanda pareça um tanto quanto frágil, no decorrer do longa.
De fato, perde-se muito da interpretação de Elizabeth Olsen por conta de um arco da personagem desenvolvido de forma apressada. Ainda assim, ela compartilha a tela de igual para igual com Cumberbatch — que aproveita a existência de vários Doutores Estranho no filme para brincar com as diferenças e sutilezas, nas múltiplas personalidades possíveis desse herói/mago atormentado por suas próprias escolhas.
A melhor parte do longa, no entanto, são as referências visuais do diretor Sam Raimi aos chamados slasher movies — filmes sangrentos de terror, como os que o próprio cineasta dirigiu no passado (incluindo Arraste-me para o Inferno e Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio). Para um filme da Marvel, que — ao contrário da DC — costuma fugir de produções mais dark e sempre apela para a leveza da comicidade, esse estilo visual é inesperado e bem-vindo. Mas, como em todas as franquias da Marvel, não se pode esperar muita profundidade ou emoção, apenas entretenimento de boa qualidade e batalhas empolgantes.
Vale também ressaltar o carisma do elenco de apoio. A novata Xochitl Gomez está ótima no papel de America Chavez, uma jovem capaz de abrir portais para outros universos, mas incapaz de controlar seus poderes. Benedict Wong e Chiwetel Ejiofor também entregam atuações consistentes, no pouco tempo em que aparecem em cena, assim como Rachel McAdams (um tanto quanto mal aproveitada).
Ainda que repleto de explicações megalomaníacas para situações absurdas e com alguns momentos de pura confusão (principalmente para os menos versados no universo cinemático da Marvel), o longa consegue ser envolvente e divertido, além de visualmente instigante. Se o ritmo fosse um pouco menos frenético e houvesse mais espaço para explorar o desenvolvimento dos personagens, a história poderia ter abordado de forma mais consistente a necessidade humana por controle e as consequências de nossas escolhas, neste universo ou em qualquer possível desdobramento dele. Porque, no fim das contas, o maior desespero da existência é não termos muita autonomia sobre nossos próprios destinos.