A essa altura, Michael Haneke não precisa provar mais nada a ninguém. Mesmo assim, ele não tem nenhum pudor em abraçar novas maneiras de contar suas histórias, estas já familiares aos que acompanham sua produção.
Happy End esteve em Cannes este ano, na competição pela Palma de Ouro, além de ser o representante da Áustria no Oscar 2018. E, convenhamos, um filme novo do Haneke, é um filme novo do Haneke. Não tem jeito, ele é um cronista do mundo contemporâneo.
Georges Laurent (Jean-Louis Trintignant) é o patriarca de uma família disfuncional que, paulatinamente, vê o desmoronamento das certezas de outrora. Sem visualizar saídas aparentes, os personagens não sabem qual rumo tomar, por onde seguir nesse caminho de falência moral, e integram uma conjuntura que, não seria inapropriado se assumir como um espelho das fissuras que experimenta a Europa hoje.
A vida (e as relações) mediada por telas – sejam elas de câmeras filmadoras (O Vídeo de Benny e Caché) ou celular -, estão presentes neste cenário de constante vigilância, voyeurismo e paranoia, pintados pelo diretor com altas doses de sarcasmo. No entanto, ao inserir a dinâmica das redes sociais como elemento fundante de seu formato narrativo, ele fica concentrado apenas no ato de compartilhar, ou seja, em quem expõe na rede sua vida íntima e cotidiana, esquecendo que do outro lado há alguém que consome esse conteúdo (?). Aqui, não há nenhum tipo de complexificação, somente situações montadas para destacar alguns absurdos contidos nessa prática.
Sua crueza é tamanha que ele coloca uma pré-adolescente aparentemente indefesa, mas muito sagaz, Eve (Fantine Harduin), encarando todo o tipo de situação traumática para qualquer pessoa, sobretudo para alguém da sua idade, e isso reflete na profunda apatia com que ela encara a vida.
Haneke, ainda, é capaz de retomar com tamanha banalidade o momento mais delicado de Amor (2012), sugerindo Happy End como uma possível continuação de sua obra oscarizada, ou apenas como parte de um jogo autorreferencial.
Happy End atua apenas como um comentário, sem investir de fato nas questões que tangencia. A crise dos refugiados é uma delas. Pierre Laurent (Franz Rogowski), filho de Anne (Isabelle Huppert, em mais uma parceria com o realizador), centraliza os momentos relacionados a essa problemática, mas suas motivações nunca ficam claras, o que acaba por enfraquecer o desenvolvimento, e principalmente importância, do seu personagem na trama. Sai da sessão querendo saber mais sobre ele. Aliás, Pierre é dono de um dos momentos mais marcantes do filme, quando canta e performa “Chandelier”, da cantora Sia, música que explora o tema do alcoolismo – vício sugestivamente associado a ele.
O longa trabalha, cena a cena, na construção de um clímax final. Contudo, sua conclusão, assim como uma publicação de rede social, é rápida, efêmera e, na maioria das vezes, fútil.