Nessa semana acontece o julgamento do produtor Harvey Weinstein por décadas de crimes sexuais que cometeu ao longo de sua vida. Ao mesmo tempo, vemos o atual presidente dos EUA, Donald Trump, causar um sério mal-estar mundial com Irã e possibilitando uma guerra nuclear entre os dois países. Coincidentemente, são dois assuntos que acabam surgindo em O Escândalo.
O filme trata sobre as acusações de diversas mulheres, começando com a apresentadora Gretchen Carlson (Kidman), de assédio sexual contra Roger Ailes (Lithgow), responsável por comandar o canal Fox News. A partir disso, a história também acompanha a apresentadora Megyn Kelly (Theron) e a aspirante a âncora Kayla Pospisil (Robbie).
Dirigido por Jay Roach, que foi responsável pelo mediano Trumbo e por comédias também medianas como Entrando Numa Fria, o início parece seguir uma linha mais irreverente e ácida (Adam McKay fazendo escola), mostrando Megyn explicando para o espectador o funcionamento do canal de televisão. Roteirizado por Charles Randolph (o mesmo de A Grande Aposta), o estilo espertinho parece servir apenas para mastigar as informações de forma mais preguiçosa, já que logo é abandonado e retomado algumas poucas vezes quando alguma personagem olha para a câmera.
Se o roteirista Randolph em A Grande Aposta (2015) abusou de maneira muito gratificante desse estilo pelo tema (a crise de 2008) ser realmente difícil compreensão para um público médio, aqui não há uma complexidade que ele possa trabalhar com mais aplicação, o que torna tudo bem esquematizado e apenas correto.
Vale dizer isso também da direção de Jay Roach, que não parece ser capaz de criar nenhum enquadramento, sequência ou ideia realmente inspiradora ou forte. Boa parte de sua abordagem é aquela estética documental já batida, com câmera na mão e zoom in nos personagens. Aliás, o que prejudica bem O Escândalo é a visão masculina que Roach apresenta algumas vezes.
Um exemplo é uma cena de assédio que a personagem de Margot Robbie sofre. Ao invés de focar a câmera na expressão de dor e desconforto que a personagem exala naquele momento torturante, ele divide a montagem também ao focar na calcinha da personagem, explicitando o que o abusador está vendo e o que a personagem não queria que ninguém estivesse olhando.
Ao invés de valorizar e entender o sofrimento da personagem (e captar a ótima atuação de Margot Robbie também), Roach parece não demonstrar em seu olhar simpatia ou sentimento ali, querendo apenas, de forma cinematograficamente convencional, revelar o que está acontecendo. Trata-se de uma direção bastante inócua e distante das emoções que aquela história possui.
O que contrabalanceia, felizmente, tudo isso são seu elenco e a verossimilhança com as figuras reais. Não é segredo que Charlize Theron é capaz de se estender para os mais diversos universos e personagens possíveis. Portanto, sua reconstituição de Megyn Kelly é assustadoramente real com a apresentadora, seja pela sua forma de falar, seja pela excelente maquiagem que parece mudar até mesmo o formato do seu rosto.
Instigante também e que permiti nos aproximar do filme, mesmo com graves problemas, são como as personagens, mesmo trabalhando num canal de notícias bastante conservador e de direita, possuem posturas muito independentes e combativas, como o momento em que Megyn pergunta a Donald Trump no debate.
Mesmo não tendo o tempo de tela que merece, Nicole Kidman mostra perseverança, mas também um desgaste de lidar com o machismo diariamente com sua personagem. Fechando o trio feminino, Margot Robbie tem se mostrado uma atriz cada vez mais capaz de explorar fortes emoções e nuances, como fica claro na sua personagem que, inicialmente ambiciosa, porém ingênua, é retalhada pelo machismo também.
Do outro lado, John Lithgow é um ator suficientemente talentoso para não tornar Roger Ailes numa caricatura completa. Apesar de ser um sujeito deplorável, reacionário e misógino, seus trejeitos e a forma como fala traduzem uma complexidade de um ser humano banal. Ao invés de criar um monstro inexistente que ninguém enxergaria na realidade, ele se aproxima da noção de como qualquer homem com tamanho poder utiliza-se dele para abusar de pessoas e destruir vidas. Isso remete ao fato de que há vários Roger Ailes próximos de nós e não sabemos.
Sabendo concluir de forma realista, ao não bater o martelo que todo os problemas de assédios foram resolvidos ali, O Escândalo foge de ser medíocre pelo formidável elenco e suas caracterizações, que conseguem prender bem a sua história que, infelizmente, ressoa ainda num mundo conservador e machista.